segunda-feira, abril 14, 2008

"Carta de uma desconhecida"



A chuva forte dava medo, o vento vinha do mar na via Costeira.
Eu dirigia pensando no filme que assistiria. Pela sinopse e comentário de Teresa, antecipava choro. Não chorei. Acredito já ter visto o filme antes, filmes em preto e branco... vi tantos...
Engraçado, eu ando chorando à toa, nem uma lágrima caiu no cinema. Faltou algo no filme, ou sobrou informação anterior, por isso evito ler antes comentários, desta vez eu li. :)
Louis Jourdan, belo com sempre, mas não era um ator que me tocasse, ela, Joan Fontaine, também não me comoveu. Teria sido eu? não sei.
Eu sei exatamente o que acontece com aquela personagem.
Uauuuuuuuu

Quando menina, aos dez anos, não sei em que momento me apaixonei pelo vizinho pianista*- já contei antes aqui.
Ele era um rapaz mais velho que eu 6 anos, alto, bonito, usava óculos.
Chama-se Hilton*, posso contar, afinal não há nada de mais nisto. Eu passava as horas vagas na janela esperando-o chegar ou sair, ou a ouví-lo tocar piano.
Subia na borda do bidê para olhar pelo basculante do banheiro o grande portão de ferro. Amava-o em silêncio, ninguém sabia.
Ele tocava clássico e rock. Depois teve um grupo, ficou conhecido na cidade.
Esta paixão durou até meus 15 anos, quando o substitui por Juarez Machado no meu coração platônico. Deusmeu!
Se vocês soubessem quantos amores platônicos tive...
Mais tarde eu disse aos dois que fui apaixonada, disseram que se soubessem teriam me namorado. ai ai Eu era muito tímida. Com Juarez estive muitas vezes, ficava vendo-o pintar no atelier da Joana Angélica. Eu era quieta, quase não falava, só observava.

Mas, voltando ao filme, a mocinha tristonha se apaixona pelo vizinho pianista, Stefan Brand, antes mesmo de vê-lo. Cruza com ele na escada, a mesma escada onde o verá mais tarde com outra e também a mãe com outro. Estuda música clássica, sabe tudo sobre ele(eu sabia tudo sobre Juarez, tenho recortes de jornal de 70, dezenas).
Ela o ama sem que ele saiba. Um dia, ele a vê seguindo-o e ficam juntos depois de uma longa noite onde só ele importa. Ela se mantém em silêncio, não conta nada dela.
Dias depois ele precisa seguir em turnê e não se vêem mais. Ela passa a vida guardando este amor, não é aguardando, é guardando, porque não foi atrás dele. Teve um filho, não quis que ele soubesse, casou com outro...
É uma paixão e como toda paixão tem a ver com o imaginário. A Lisa, personagem de Joan Fontaine, teve um pai que fazia viagens imaginárias com ela. Ele fingia viajar através de folhetos de uma agência de viagem. O pianista viaja pelas cidades da Europa- a história se passa em Vienna 1900. A Vienna de Freud.

Todo amor é transferencial, diz o mestre Freud, e a Lisa encontra este amor no pianista- não importa nada, apenas o amor que ela inventou, o personagem que ela criou.
A discussão que houve depois do filme foi quente, disseram muita bobagem, que o sujeito não valia nada, abandonou-a, etc e tal. Ela não deixou que ele soubesse nada dela, ele, grande narcisista, ou dândi, como disse alguém, vaidoso, não se importava com os outros, só ele- o mordomo era mudo- o que é bastante significativo.
A ela só ele importava. O enamorado se aliena. É assim nas paixões. Alguém citou o livro de Rosa Montero que eu falei aqui neste post
onde há uma bela história de amor de uma Marquesa por Voltaire,leiam que vale a pena aqui.

Alguém falou também que a mulher no filme era a morte, tem razão, ela pode ser a morte, a morte que o ronda misteriosa- ele diz várias vezes que ela era mistério, que sabia mais dele do que ele mesmo.
Morte Caetana, leiam aqui neste texto de Angela, de quem já falei aqui. Angela foi quem organizou o livro onde tem um conto meu. Está neste livro dela.
Lisa(Joan Fontaine) diz uma frase assim quando se despedindo ele diz:
"Volto em duas semanas",
ela já sabia que ele não voltaria- ela sabia inconscientemente que jamais o teria.
A morte rondou o autor do romance, Stephan Zweig. Leiam abaixo.
O personagem é Stefan, como ele.
Zweig nasceu em 1981, sofreu perseguições nas duas guerras, era judeu, seus livros foram queimados. Freud nasceu em 56. Morreu em 39. Stephan veio para o Brasil, Freud foi para Londres, também fugivo. Trocavam cartas, foram amigos, foi amigo também de Thomas Mann, que ficou revoltado com o suicídio do amigo. Vocês sabem que a mãe de T. Mann era brasileira, não é?

"Nacido en Viena en 1881, Stephan Zweig fue poeta, traductor, editor, pacifista, humanista y europeo. Emigró a Suiza durante la primera guerra mundial, de 1917 a 1918, y fue uno de los autores más traducidos antes de la Segunda Guerra Mundial. En 1934 emigra a Londres, en 1941 se exilia a Brasil donde, junto a su mujer, se suicida el 23 de febrero de 1942.
Hoy, todavía conocido por algunos de sus relatos, Stefan Zweig ha caido practicamente en el olvido en su faceta de personaje fundamental del exilio. En España recientemente han aparecido nuevas traducciones de sus obras más importantes".


"Nací en 1881, en un imperio grande y poderoso -la monarquía de los Habsburgos-, pero no se molesten en buscarlo en el mapa: ha sido borrado sin dejar rastro. Me crié en Viena, metrópoli dos veces milenaria y supranacional, de donde tuve que huir como un criminal antes de que fuese degradada a la condición de ciudad de provincia alemana. En la lengua en que la había escrito y en la tierra en que mis libros se habían granjeado la amistad de millones de lectores, mi obra literaria fue reducida a cenizas. De manera que ahora soy un ser de ninguna parte, forastero en todas; huésped, en el mejor de los casos. También he perdido a mi patria propiamente dicha, la que había elegido mi corazón, Europa, a partir del momento en que ésta se ha suicidado desgarrándose en dos guerras fratricidas", escribió Stefan Zweig en su autobiografía El mundo de ayer.
"


Em 42, depois de perder a pátria, a língua, cansado para recomeçar, se mata com a esposa. Vivia em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Declaracao deixada por Stephan


"Antes de partir de la vida, con pleno conocimiento, y lúcido, me urge cumplir con un último deber: agradecer profundamente a este maravilloso país, Brasil, que me ofreció a mí y a mi trabajo una estancia tan buena y hospitalaria. Cada día aprendí a amar más este país, y en ninguna parte me hubiera dado más gusto volver a construir mi vida desde el principio, después de que el mundo de mi propia lengua ha desaparecido y Europa, mi patria espiritual, se destruye a sí misma. Pero después de los sesenta se requieren fuerzas especiales para empezar de nuevo. Y las mías están agotadas después de tantos años de andar sin patria. De esta manera considero lo mejor, concluir a tiempo y con integridad una vida, cuya mayor alegría era el trabajo espiritual, y cuyo más preciado bien en esta tierra era la libertad personal. Saludo a mis amigos. Ojalá puedan ver el amanecer después de esa larga noche. Yo, demasiado impaciente, me les adelant
o".


*Genteeeeeeee, eu achei o Hilton no Google! Está tocando em casamentos, festas. O Brand, se fosse personagem da atualidade, estaria fazendo o mesmo :) triste isto.
Mais "Paixões" aqui












Um comentário:

Anônimo disse...

Querida Laura,

Eu era criança, o que eu sabia da vida? Ainda muito escutava e via. E escutando e vendo, mesmo pequeno, pude sentir a força desse grande amor. Que começou através do som de um piano, no encanto e no sonho de uma singela e pura Dama. Que nos mostrou ser possível, apesar de tão poucos momentos trocados e compartilhados, viver em si, mesmo sem muito saber nem ouvir, que é até possível sentir e viver o amor, seja ele do jeito que for.

A barra do amor é que ele parece ser eterno, enquanto na morte não existe meio termo.

Por isso, amemos, o quanto podermos.

Receba esse despretensioso escrito, como uma forma de dizer o quanto amo esse filme. Obrigado por oferecer à todos nós, românticos e sonhadores, essa bela homenagem, Steffan, fez por merecer.

Com carinho.
Helio
heliothompson@bol.com.br