terça-feira, outubro 31, 2006

Carlos Drummond- 104 anos do nascimento.























Drummond
faria aniversário hoje, é impossível para mim esquecê-lo. Nós nos conhecemos nas ruas de Ipanema, ele à caminho da casa da amada. Caminhávamos um trecho juntos, algumas vezes de mãos dadas, eu me constrangia, muitos o conheciam. Era sempre pontual, eu sabia onde encontrá-lo nas esquinas de Ipa. Quando ele morreu em 16 de agosto de 1987, aconteceu uma verdadeira revolução na minha vida. Enquanto via, de um lugar mais alto, o caixão sendo baixado(imagem jamais esquecida- a Kassia Kiss estava lá também), eu conheci o pai de meus dois meninos, hoje dois rapazes. Ali começamos a conversar, saí do cemitério com o pai dos meus filhos, imaginem. Vocês já sabem que eu era uma solteira convicta, mulher livre e independente, acordava onze da manhã, só trabalhava à partir de meio dia, estas coisas. Até hoje me surpreendo com a mudança que sofri. Valeu super a pena. Ele se foi mas deixou para mim a possibilidade de ter dois lindos filhos. Uma amiga astróloga disse que quando morre um escorpião nasce outro. No meu caso morreu um, nasceram dos geminianos.
Ipanema não é mais a mesma sem os passos rápidos do poeta pelas suas ruas. Ele não dirigia, só andava à pé ou de táxi- quando ia entregar o artigo no JB, por ex. , naquela época láaaaaa na Av. Brasil. Ele disse que cansou de ir até lá. Parou as crônicas- a antepenúltima crônica fez para mim, chama-se "O coração imobiliário", e não é muito lisonjeador, não, ele fala de uma moça, Cristiane(me telefonou dizendo que mudaria o nome) que tem um coração onde cabem muitos amores, no final ele diz que também quer dar uma espiadinha. "Posso?" Nós nos queríamos muito, mas não tive intimidade nenhuma com ele, eu fugia dele, podem crer. Eu vivia muito apaixonada, como é meu estado normal, e não podia ficar brincando com o coração do nosso poeta- mor, não é?
Drummond morreu de tristeza uma semana depois da morte da filha. Eles eram cumplices. Tivemos uma rápida conversa um dia à três muito divertida, já contei no blog aqui. Vocês sabiam que ele cuidava da filha? Ela teve câncer nos ossos, no final usava colchão de água. Ele não gostava de falar destas coisas comigo, era muito sedutor e sacana comigo.

Sua voz frágil ainda lembro tão bem...Quem quiser ver fotos do Rio com a voz dele num poema mande o email que eu envio um PPS lindo.
Aqui tem um vídeo com música de Cazuza, diferente, gostei.

A vida me deu também um amor na madureza, me faz mais viva, ma shá momentos em que eu preferia me sentir mais mortinha por dentro( Por que desceste ao meu porão sombrio/
Com que direito me ensinaste a vida/ Quando eu estava bem, morta de frio- Soneto de Chico aqui)


Campo de flores.

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.



Viver
.

Mas era apenas isso,
era isso,mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era,sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso,ou menos que isso,
uma noção de porta,
o projeto de abri-la
sem haver outro lado?

O projeto da escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos e esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?



E VIVA Drummond!!!!!!

Mais posts com ele aqui
Mais aqui
Sobre o mal estar pelo crisântemo aqui
O post do ano passado aqui
Sobre a morte de Nava aqui.

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