Mãe Amparo
Diz Amparo, a mãe que me criou, que um homem a procurou pedindo que arranjasse alguém para me adotar. A minha mãe era louca, ele disse. Não me cuidava, me deixava na rede e trancava a porta. Ela deixava biscoito de rapadura junto de mim, disseram. Arrombaram a porta para me tirar do quarto do casebre. Eu estava suja e faminta. Tomei três pratos de sopa neste dia na casa de Amparo. E fiquei aos cuidados dela, que mais tarde me adotou.
Este homem era meu pai, aí me pergunto o porquê não cuidou de mim. Mas sei que se ele não me oferecesse a outra pessoa, não sobreviveria.
Amparo era uma mulher rígida. Me criou para que no futuro cuidasse dela, que tinha uma doença cardíaca crônica.
Eu cozinhava, limpava a casa e estudava. Tinha que estudar. Antes da escola, deixava o almoço pronto. Foi assim desde que cresci o suficiente para alcançar o fogão e a pia.
Na casa dos avós, pais de Amparo, eu era quem lavava a louça nos dias de domingo. As outras primas ficavam na sala.
Vovó me ensinou a rezar. Era muito católica- um dos irmãos dela era sacerdote. Quando eu ia para lá, no lanche, eu ganhava biscoito de maizena e meus primos biscoitos recheados. Não estranhava isso. Sabia que eu era diferente até na cor. Todos muito claros e eu da cor de jambo. Quando ficou senil vovó ficou mais dócil comigo. Era eu quem ia lhe dar banho todas as manhãs de sábado e domingo.
Vovô era o patriarca da família. Todos tinham que pedir a bênção para ele. Muito crítico, observava tudo. Quando adoeceu e precisou de cuidados, lá fui eu cuidar dele, eu e as moças contratadas. Estas sofriam nas mãos dele. Era sedutor, queria tocá-las, comigo não, me via como neta- talvez o único que me via da família.
Os irmãos de mainha sempre a trataram com um certo desprezo, por não ter casado, pela fragilidade da saúde dela, por não ter ganhado dinheiro.
Não tive nenhuma vida social. O único lugar que ia era à igreja aos domingos, então eu me arrumava toda e me fazia bonita a espera de encontrar um namorado ali.
Não foi ali que encontrei meu par, hoje meu marido.
Mainha optou por viver numa casa de repouso quando eu tive o segundo filho. Eu não teria condições de lhe dar a atenção que exigia. Passei a ser mal vista na família, odiada e ignorada por todos. Fui impedida de visitá-la.
Ao escolher ter minha família fui definitivamente excluída da outra, onde, na verdade, nunca me senti incluída.
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