domingo, janeiro 18, 2009

Conto: O homem menos estranho (2005)


Picasso. Posted by Picasa



O homem menos estranho*


Pega o primeiro ônibus que pára no ponto, o vento corta seus lábios. Há dias não vê a rua, não quer.

O ônibus está abafado, mas gosta daquele cheiro de gente, tanto tempo não vê gente. Havia lugares vazios nos últimos bancos, escolhe o que tem o homem menos estranho e senta, perna encostada na perna do homem, nem viu a cara, não importa. A perna revestida de seda dá sensação de segunda pele, desliza, sente prazer em roçar disfarçadamente no estranho. Fecha os olhos, inspira o ar misto de cheiros. Final do dia, cada cheiro uma história, de olhos fechados adivinha que o homem ao lado tem mulher e filhos a espera.

Faz isto sempre, pega um ônibus qualquer, escolhe os dias cinzentos, aqueles que intui não suportará ficar tão só. Estar colada ao homem a esquenta, ele não se afasta, mas pressiona mais a coxa, coxa apertada contra coxa. Finge não sentir a mão que sobe pela sua perna, deixa que o homem a toque, se arrepia, não consegue se mexer, é preciso dizer não, abre os olhos, ele se aproxima e a beija violentamente, morde, machuca, ela não sente prazer, nem medo, apenas vida.


*Este conto foi selecionado num concurso de contos do site italiano www.domist.net e foi traduzido para o italiano. Esteve muito tempo online agora tiraram.
Vejam como ficou aqui no LN.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei! Como sempre, os seus pequenos e micro contos dizem muito.... e até me fazem pensar na essência do ser e vidas humanas.
Beijo.

Laura_Diz disse...

Maria, ontem lembrava vc... bom que apareceu.
Obrigada pelo comentário.
É a essência... talvez eu chegue perto.
Bjs Laura