sábado, julho 19, 2008

Insensatez




Meus caros amigos
Eu enviei um conto sobre bossa nova para o concurso do Estadão. Os contos que o Jornal Estadão escolheu estão aqui

Nem gosto de ler, só passo os olhos e sempre acho ruins. Enfim, acho que não vou mais mandar para concursos, é uma decepção... :(
Putz, li alguns e sinceramente eu estou no lugar errado na hora errada e ...
Putz... cada conto ruim. Não é pretensão, não, leiam lá. O meu é tão bonitinho...mas é muito carioca, me f...(desculpem a linguagem chula, tenho sangue espanhol, melhor não competir mais).
No Brasil se você não tem um empurrão você não vai a lugar nenhum por mérito.
Tem que ter pistolão, ser conhecido, algo assim. Ou nascer com a bunda pra lua, uns gatos pingados nasceram, eu não.
A revista piauí foi nojenta, um desrespeito com todos. E os contos... nem te conto. Palhaçada, até de pirata tinha, esdrúxulos.
Leiam o meu conto de amor, fiz dois, depois mostro o outro, estou com sono. E o mais estranho é que fiz os contos ouvindo direto "chega de saudade", a música que me lembrava muito o amor mais intenso da minha vida. O estranho é que enviei o conto dia 19 de maio, ele morreu no dia 20, meia noite. Quando entreguei o conto ele se foi. Espero que tenha me ouvido cantar a música de amor aqueles dias todos, cantei bastante. Estava inebriada de amor aqueles dias. Eu acho que ele ouviu. Ou quem sabe ele estava por aqui? Só fiquei sabendo da morte uma semana depois. Dói ainda. Mas leiam o conto:


Insensatez

Elianne Diz de Abreu

"Venha, estou te esperando. Desça a Montenegro, entre na terceira, à
direita. É um prédio antigo e pequeno no meio da quadra", disse ele.
Eu fui, como sempre. Obedeço aos homens.
Tinha pressa. As mãos suavam ao descer do ônibus no ponto indicado.
Lembro de um sonho em que deslizo pela Rua Prudente de Moraes deserta,
desejando alar ao seu encontro.
Na esquina, um bar, mais à frente, duas vilas. Adoraria morar no bucolismo de
um espaço silencioso, com flores nos jardins. Com este olhar, me deparei com
o prédio dele.
Anoitecia.
Bati à porta, alguém tocava violão, abafando meus toques. Repeti as batidas
com mais força. O som do violão cessou. Ruídos de cadeiras e vozes. Ele abre
a porta no momento em que eu inspirei fundo, aflita, pensava o que fazer se
não me ouvissem.
Havia homens espalhados pela sala, alguns no chão em almofadas, eu era a
única mulher. Um deles me olhou com certo desdém, por pouco não me sinto
intrusa, apenas porque os olhos dele me observavam e sorriam.
Minutos depois ficamos a sós entre copos e cigarros espalhados sobre o
piano, chão, janela. A pequena sala, que dava para a frente do prédio,
rescendia a cigarros. Comecei a juntar copos e cinzeiros. "Deixe, depois eu
limpo", ele disse. "Limpamos agora, é melhor", respondi.
Eu precisava arranjar coisas para fazer. Não queria que ele percebesse
minhas mãos frias e úmidas. Queria mais tempo para me acostumar à idéia de
estar ali.
Na pia cheia de copos, garrafas vazias, um gato cinza de olhos azuis muito
claros tentava subir.
Ele veio por trás e beijou minha nuca. Me desvencilhei caminhando em direção
à janela. "Veja o Cristo, dá para vê-lo, não sei até quando..."
Eu senti seu hálito de álcool e cigarro. Aquele cheiro me excitava.
Segurou meu rosto entre as mãos em taça, beijou meus lábios sorvendo meus
mistérios. De olhos fechados, eu adivinhava o rosto que amei no primeiro
encontro. Abri os olhos para conferir. Seus braços me envolviam como asas.
Aos poucos fomos nos afastando da janela. Debruçando-se sobre mim, deitou-me
no sofá, abrindo, com dedos ágeis, caminho para a minha entrega plena.
Um dia ele viajou, precisava ir a trabalho, disse. Não voltou. Eu chorava
desolada. Enviei uma carta, por um amigo comum, onde dizia:
"Desde sua partida minha vida é só tristeza e melancolia. Não sei viver
assim. Volte".

Meses depois recebo um telefonema. Era Vinícius, dizia que tinha algo para
mim. Fui até lá e ele me cantou, jamais esquecerei, esta música, como um
recado do Tom:
"Chega de saudade
... Não quero mais esse negócio de você longe de mim,
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim"...

Ele voltou, anos depois. Soube pelos jornais.

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