quinta-feira, julho 19, 2007

Hoje é dia de Contardo




















Brincadeiras radicais


Contardo Calligaris

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Brincar com a morte pode parecer a única brincadeira que vale a pena, a única séria
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"Counseling Today"
(o aconselhamento hoje) é a publicação mensal da American Counseling Association, uma espécie de sindicato norte-americano, que reúne terapeutas de todas as orientações.
No número de maio deste ano, a revista publicou um artigo, de Angela Kennedy, para alertar sobre a difusão, principalmente entre os jovens, de uma prática perigosa: a "brincadeira" da auto-sufocação, também chamada "jogo do desmaio" ou "macaco no espaço".
A prática consiste em produzir uma asfixia temporária em si mesmo ou, quando há mais de um "jogador", num parceiro de quem se espera a recíproca.
O sujeito exerce uma pressão no ponto adequado do pescoço, sobre a artéria carótida, cortando o fluxo de sangue e oxigênio: o cérebro, aos poucos, apaga. O "jogador", aproximando-se do desmaio, sente um formigamento generalizado, mas o ápice da experiência acontece quando a circulação é liberada e o sangue volta com força para o cérebro.
Existem variantes da "brincadeira". A diminuição de dióxido de carbono no sangue produzida por hiperventilação, ou seja, respirando rápida e profundamente durante um bom tempo. Ou, então, seu oposto: a asfixia produzida fechando um saco plástico ao redor da cabeça.
Também há outras maneira de praticar a "brincadeira" básica. A mais perigosa, obviamente, acontece quando, em vez de pressionar a carótida, um "jogador" solitário usa uma corda ou um cinto para apertar seu próprio pescoço. Segundo o artigo, seria necessário revisar as estatísticas dos suicídios por enforcamento, considerando como possíveis casos de "brincadeira" malograda as situações em que o sujeito se enforcou sem pular no vazio, mas amarrando corda ou cinto à altura do pescoço e dobrando as pernas para se estrangular progressivamente.
Salvo acidente (danos cerebrais irreversíveis e, eventualmente, morte), essas práticas são difíceis de ser detectadas. Freqüentemente, os "jogadores" são adolescentes sem problemas, bem integrados na escola e no grupo. Ao não ser que um jovem passe de repente a usar gola alta ou echarpe no pescoço para esconder marcas ocasionais, os sinais de alerta indicados pelo artigo são consistentes com qualquer adolescente (vontade de se trancar no quarto, dor de cabeça, irritabilidade etc.).
Quem quer saber mais pode consultar o site (com atalhos para outro sites) ou, para verificar que o fenômeno não é apenas norte-americano, ler um artigo francês sobre o tema, no "Journal de Pédiatrie et de Puériculture" (vol. 19, nº 8, dezembro de 2006).
A prática era conhecida há tempo, embora silenciada para que não se difundisse. A American Counseling Association preferiu agora informar a comunidade.
Na minha clínica, só encontrei um caso (que, por sorte, não acabou em desastre). Pensei nele recentemente. Viajando pela Itália, poucas semanas atrás, assisti à cena seguinte. Adolescentes espanhóis em excursão, sentados no chão na Piazza del Campo de Siena, comportavam-se como idiotas. Atiravam nos pombos com armas de brinquedo que acabavam de comprar, falavam besteiras em megafones que também acabavam de comprar e enchiam de lixo o chão ao redor deles, embora estivessem a três passos de uma lixeira. Zombaram repetidamente de cidadãos que tentaram acalmar sua estupidez. Enfim, um lixeiro, indignado, largou sua vassoura e saiu à procura de um policial. Embora eles entendessem a ameaça, não pararam de zoar.
Antes que o policial chegasse, eis que entrou na Piazza, perto do lugar onde eles estavam acampados, um funeral: primeiro vinha um padre, logo o caixão, transportado por seis homens, e a viúva e os filhos, chorando. Nos cafés, as pessoas se levantaram, por respeito. Os jovens espanhóis emudeceram, guardaram em suas caixas arminhas e megafones; um deles juntou os restos de pizza e as garrafas vazias e levou tudo para a lixeira.
Moral da história? A morte é uma coisa séria; talvez, como dizia Freud (e não só Freud), ela seja o único mestre absoluto de nossa vida. Brincar com a morte, de repente, pode parecer a única brincadeira que vale a pena, por ser uma "brincadeira" realmente séria (nada a ver com jogos virtuais ou armas de plástico).
Agora, de vez em quando, pensar na morte pode também nos ajudar a levar a vida mais a sério.

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