domingo, maio 06, 2007

Miniconto Os pássaros em V















Foto daqui





Os pássaros em V


Faziam, há dias, o trajeto em silêncio. Ela sabia que dissera algo que o tocou profundamente e feriu. Caminha e tenta lembrar o que disse. Viveu num turbilhão. Sentia-se 'enlouquecida', louca de amor por ele. Como ele recusava este amor pleno? Ela se perguntava, e tentava, sem saber bem como, que ele lhe dissesse que também a amava. Ele calara. Nada o tira do silêncio, é preciso saber esperar.

Andavam pelas ruas de sempre. Ela o espera, desde que se conheceram, numa esquina. Ele vem de algumas quadras adiante.

O primeiro encontro foi ao acaso, ela tropeçou, derrubou livros e papéis, ele estava próximo, veio ajudá-la. Caminharam então na mesma direção.

- São cartas?

- Sim, estou compilando algumas de escritores famosos para um livro.

- Interessante...

O resto do trajeto foi em silêncio, quebrado por ela quando se aproximava de sua casa:

- Moro neste prédio. Você mora aqui perto?

- Sim.

Despediram-se com um aperto de mão.

Ela não dormiu naquela noite, acreditou que algo novo a tiraria do vazio.

À noite jogou o 'Tarot' que guardava há anos numa gaveta: "O enforcado", "O ermitão", "A estrela". Tirou mais uma vez: "A força".

Sabia que iria sofrer por este amor.

No dia seguinte saiu na mesma hora. À tardinha viu quando ele se aproximou buscando por ela na esquina. Cumprimentaram-se sem aperto de mão, nada. Caminharam em silêncio. Quando chegavam perto do seu prédio, ele disse:

- O que você faz aos sábados?

Nada que fizesse teria importância agora, estaria livre para ele, ela pensou.

Encontravam-se aos sábados na casa dela. Ele tinha mulher e dois filhos. Depois de três anos, ela mal sabe da vida dele, ele não conta, nem ela quer saber. Espera que um dia ele fique para dormir.

Agora caminha com ele ao lado. Conhece e ama aquele corpo mais do que o dela, adivinha cada traço. Deseja tocá-lo. Caminha roçando nele, que não se afasta, mas também não a toca, como costuma.

Há dois sábados ele não vem. Inventa desculpas, ela sabe. É difícil esperar. Esperar que ele volte a desejá-la.

Ele, de repente, olhou para o céu e disse:

- Olhe, veja os pássaros! Que lindos! Formam um V!

- São lindos. Há anos não via pássaros juntos assim...

Olharam-se e riram.

Ela sabia que neste sábado ele viria. Sabe que ao sentir o corpo dele, solto e pesado, sobre ela, uma lágrima brotará nos seus olhos. Ele não perceberá e é melhor assim. Quer que a veja apenas sorrindo. E estará sorrindo nos próximos dias.

Um comentário:

Anônimo disse...

ESTE SAITE NÃO PRESTA PARA NADA!!!!!!


E ISTO NÃO A BRINCAR NEM A GOZAR...