Através da cortina
Entrei em casa tirando a roupa e deitei nu. Estava exausto. Batem na porta, penso em não levantar, não quero ver ninguém. Insistem. Melhor ver quem é.
Pelo olho mágico vejo Clara: olhos pintados com kajal, boca vermelha, como gosta. Recuo em silêncio. Não poderia abrir, virá como cão farejador:
“Que cheiro é este na sua barba?” “Esteve com ela de novo, não foi?”
Através da cortina vejo-a atravessar a rua. Coloca um pacote sobre o capô do carro. “Deve ser um livro”. Ajeita a meia preta: “Só uso meias pretas”, ela diz, com cara de mulher segura. Está impaciente, olha para o relógio, para a casa, para os dois lados da rua. Imagina que eu chegue a qualquer momento.
Se eu abrisse a porta me diria: “Seu cretino, onde você estava? Desligou o telefone de novo!". Eu responderia que não, que havia acabado de chegar, que estive pesquisando para o livro”. Não convencida, ela me daria socos no peito, exasperada.
“Mentiroso, cretino, você não estava trabalhando, eu sei”.
Eu a seguraria firme pelos braços e beijaria aquela boca rubra até que se calasse. Lágrimas desceriam dos olhos, agora borrados de negro.
Ela me olharia perdida:
“Você é um cretino, filho da puta” diria entre um suspiro e outro, minhas mãos deslizando nas coxas lisas, seda pura.
Ela estará cansada de tanto esperar, serei eu o condutor, não pedirá nada, se entregará como sempre, como se fosse a última.
Ela sabe que pode estar certa.
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