domingo, agosto 03, 2025

Através da cortina- miniconto

 

Através da cortina

 

Entrei em casa tirando a roupa e deitei nu. Estava exausto. Batem na porta, penso em não levantar, não quero ver ninguém.  Insistem. Melhor ver quem é.

Pelo olho mágico vejo Clara: olhos pintados com kajal, boca vermelha, como gosta. Recuo em silêncio. Não poderia abrir, virá como cão farejador:

“Que cheiro é este na sua barba?” “Esteve com ela de novo, não foi?”

Através da cortina vejo-a atravessar a rua. Coloca um pacote sobre o capô do carro. “Deve ser um livro”. Ajeita a meia preta: “Só uso meias pretas”, ela diz, com cara de mulher segura. Está impaciente, olha para o relógio, para a casa, para os dois lados da rua. Imagina que eu chegue a qualquer momento.

Se eu abrisse a porta me diria: “Seu cretino, onde você estava? Desligou o telefone de novo!". Eu responderia que não, que havia acabado de chegar, que estive pesquisando para o livro”.  Não convencida, ela me daria socos no peito, exasperada.

“Mentiroso, cretino, você não estava trabalhando, eu sei”.

Eu a seguraria firme pelos braços e beijaria aquela boca rubra até que se calasse. Lágrimas desceriam dos olhos, agora borrados de negro.

Ela me olharia perdida:

“Você é um cretino, filho da puta” diria entre um suspiro e outro, minhas mãos deslizando nas coxas lisas, seda pura.

Ela estará cansada de tanto esperar, serei eu o condutor, não pedirá nada, se entregará como sempre, como se fosse a última.

Ela sabe que pode estar certa.


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