segunda-feira, janeiro 22, 2018

A minha Graça








Eu gosto de dar carona quando não estou com muita pressa, nem buscando silêncio.
É um risco, mas tenho intuição- sempre foram viagens muito agradáveis. Ao se despedirem me abençoam, eu digo que só dou carona por isso, para ouvir as bênçãos. São pessoas muito simples, a transporte coletivo daqui é um desastre e eu vou para um lugar de onde podem pegar qualquer condução- moram mais longe, nos bairros distantes.
Em maio do ano passado eu dei carona para duas moças. Eram empregadas domésticas. Eu disse que andava cansada, casa grande, mãe morando comigo, estas coisas. Uma delas disse que tinha alguém que eu ia adorar, a pessoa certa para trabalhar aqui. Dei carona duas quadras depois de meu condomínio, pois a moça trabalha aqui e nos fins de semana vai para Touros. Graça também, é sua ex sogra.
No começo houve um certo desconserto, uma mulher de mais de cinquenta anos, personalidade muito forte- eu idem- mas fui com cuidado dizendo como eu gostaria que fossem as coisas. Hoje ela cuida da casa como se fosse dela, controla tudo- pago meus pecados, eu sou obsessiva e também vejo tudo. Algumas coisas são do jeito dela e eu deixo, há que ceder.  Graça tem nove filhos e nove netos. Viúva muito jovem, com cinco filhos, casou de novo e teve mais quatro. Todos saudáveis, nenhum lhe traz problemas. É mãe amorosa, escuto trechos de conversas no telefone, a solicitam muito, os monitora daqui, o mais novo tem 14 anos e se prepara para ser jogador de futebol. Está separada.
Foi um presente dos deuses. Cuida de minha mãe como ninguém- tudo na hora certa, nunca esquece nada, é incrível.
Antes de eu ter este infarto, ela dizia: A sra. tem que se cuidar também, não tem idade para fazer isso! Deixe que eu faço.
Exemplo: Gosto de lavar o carro. Ela se antecipa e lava. Eu digo: “Os vizinhos vão achar que te exploro, não faça isto!” Ela: “Vão não, eu lavo cedinho, ninguém vê”. Inacreditável! Ela acorda muito cedo. Adora o jardim também.
Diz que me ama, algumas vezes se comoveu e chorou com algum gesto generoso meu- o que ela faz não tem preço. Diz que sou melhor do que sua mãe- nunca se sentiu amada por ela.

Sexta-feira quando cheguei do hospital, a casa estava toda florida. Quando entrei no quarto, sobre a cama havia desenhado um coração com flores de buganville, dentro escrito: Te amo.

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