O relicário
Ela deitou na tábua curtida onde o sol se esgueirava naquela manhã, ia deslizando no assoalho ainda frio.
Resta uma nesga de sol, quase uma linha que desenha um eixo,
corta ao meio seu corpo magro. Imagina que ele está sobre ela, inteiro.Tira a camisola. Fica nua.
Lembra da primeira vez que se deitaram.
Ela acabara de virar mulher, ele quase menino. Caminhavam na trilha até o açude. Tropeçou. Ele veio ajudá-la. E ali mesmo fizeram amor. Meses depois não era possível esconder mais a barriga. Casaram.
Antonio trouxe o relicário. A mãe, devota, escolheu o nome durante o difícil
parto.
Quando a jogava na cama, viril, cheio de desejo, antes cobria o Santo:
“Não quero que ele veja nossa sem- vergonhice".
Cansado da fome, vai em busca de trabalho:"Homem que é homem, traz o
sustento pra dentro de casa, Maria".
Parece que foi ontem que se despediu do marido encostada na porta, a barriga
grande, o olhar perdido no horizonte.
- "Pede pra nosso filho vingar, Maria", é cantilena no ouvido dela. O filho
não vingou, mas Antonio não sabe.
Certo dia um homem bate na porta:
- Você é Maria?
- Sou.
- Mulher de Antonio?
- É...
- Ele me falava de você. Pediu que viesse até aqui.
Ela adivinha o que ele tem para dizer. Lágrimas brotam dos seus olhos.
- Pediu para te dizer que arranjou o trabalho e que lá de cima vai cuidar de você e de seu filho.
- Como foi?
- Numa desavença, levou uma facada certeira, só teve tempo de dizer estas últimas palavras.
Ela fica em silêncio, engole o choro e diz:
- Se quiser, entre, lhe dou um copo d'água.
- Obrigado. Meu nome também é Antonio, Antonio da Silva, ao seu dispor.
Daqui
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