sábado, julho 11, 2009

Mini conto




O pianista


Ele disse, parando o carro aqui em frente:
"Você sabe o quanto gosto de você, mas não daria certo, melhor ficarmos apenas amigos".
Beijou minhas faces, eu queria mais, sempre quero mais.
À porta, a mão dentro da bolsa não encontrava as chaves, o abandono me inundou. Entrei na sala escura, joguei-me no sofá aos prantos. O cão veio atrás, afastei-o. "Sai, Zampa, sai!"
Não sei quanto tempo se passou. Os móveis, antes contorno, sobressaiam. Não queria que amanhecesse. Cobri os olhos com as mãos. O cão veio novamente me cheirar, afastei-o de novo: "Sai, Zampa!".
Poderia me matar. Saberia como. Ele ligaria dois dias depois. Nada. Ligaria no terceiro dia. Nada. Uma semana depois, talvez batesse à porta e sentisse o mau cheiro. Eu me vingaria.
Mas não, eu não apodreceria num apartamento em Ipanema.
Acabei adormecendo no sofá, despertei, passava do meio dia, corpo e vestido amarrotados, me encolhi entre almofadas.
Era domingo, ninguém me ligaria.
Anoitecia quando a fome passou a doer mais que o desamor.
"Zampa, desculpe, mas hoje você não vai descer". Disse.
Liguei a TV sem som.
Poderia telefonar e dizer que não viveria sem ele.
Fazia calor, era verão. As janelas davam para um pequeno prédio de onde vinha o som de um piano e alguém cantava.
Debruçada ouvi: "Chega de saudade, a realidade é que sem ele não pode ser...".
Fechei a janela quando amanhecia.

Voltar para casa passou a ser um prazer.

Um dia, perguntei ao porteiro:
- O Senhor sabe quem é que toca piano no prédio ao lado?
- É um tal de Tom Jobim, a senhora conhece?
Nunca mais dormi de janelas fechadas.


*
Este conto eu fiz pensando no concurso do Estadão do ano passado, mas só podia mandar um, enviei o que coloquei neste post. Hoje reli e cortei bastante. Ah! aceitaram vários contos, não o meu :(.

2 comentários:

Maria Augusta disse...

Não entendo os critérios do Estadão, este conto é muito bom...adoro o modo como você escreve!
Um beijão.

concy maduro disse...

e lindo.