quarta-feira, julho 15, 2009

Ah! Insensatez...





Meus caros amigos
Eu enviei este conto sobre bossa nova para um concurso do Estadão no ano passado. Era preciso incluir este verso:
"Chega de saudade...
Não quero mais esse negócio de você longe de mim/ Vamos deixar esse negócio/ De você viver sem mim"...

O Jornal Estadão não o escolheu. Já comentei aqui antes.


Insensatez


"Venha, estou te esperando. Desça a Montenegro, entre na terceira, à
direita. É um prédio antigo e pequeno no meio da quadra", disse ele.
Eu fui, como sempre. Obedeço aos homens.
Tinha pressa. As mãos suavam ao descer do ônibus no ponto indicado.
Lembro de um sonho em que deslizo pela Rua Prudente de Moraes deserta,
desejando alar ao seu encontro.
Na esquina, um bar, mais à frente, duas vilas. Adoraria morar no bucolismo de
um espaço silencioso, com flores nos jardins. Com este olhar, me deparei com
o prédio dele.
Anoitecia.
Bati à porta, alguém tocava violão, abafando meus toques. Repeti as batidas
com mais força. O som do violão cessou. Ruídos de cadeiras e vozes. Ele abre
a porta no momento em que eu inspirei fundo, aflita, pensava o que fazer se
não me ouvissem.
Havia homens espalhados pela sala, alguns no chão em almofadas, eu era a
única mulher. Um deles me olhou com desdém, por pouco não me sinto
intrusa, apenas porque os olhos dele me observavam e sorriam.
Minutos depois ficamos a sós entre copos e cigarros espalhados sobre o
piano, chão, janela. A pequena sala, que dava para a frente do prédio,
rescendia a cigarros. Comecei a juntar copos e cinzeiros. "Deixe, depois eu
limpo", ele disse. "Limpamos agora, é melhor", respondi.
Queria mais tempo para me acostumar à idéia de
estar ali. Não queria que ele percebesse minhas mãos frias.
Na pia cheia de copos, garrafas vazias, um gato cinza de olhos azuis tentava subir.
Ele veio por trás e beijou minha nuca. Me desvencilhei caminhando em direção
à janela. "Veja o Cristo, dá para vê-lo, não sei até quando..."
Senti seu hálito de álcool e cigarro. Aquele cheiro me excitava.
Segurou meu rosto entre as mãos em taça, beijou meus lábios sorvendo meus
mistérios. De olhos fechados, eu adivinhava o rosto que amei no primeiro
encontro. Abri os olhos para conferir. Seus braços me envolviam.
Aos poucos fomos nos afastando da janela. Debruçando-se sobre mim, deitou-me
no sofá, abrindo, com dedos ágeis, caminho para a minha entrega plena.

Um dia ele viajou, precisava ir a trabalho, disse. Não voltou. Eu chorava
desolada. Enviei uma carta, por um amigo comum, onde dizia:
"Desde sua partida minha vida é só tristeza e melancolia. Não sei viver
assim. Volte".

Meses depois recebo um telefonema. Era Vinícius, dizia que tinha algo para
mim. Fui até lá, ele cantou, jamais esquecerei, esta música, como um
recado do Tom:
"Chega de saudade
... Não quero mais esse negócio de você longe de mim,
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim"...

Ele voltou, anos depois. Soube pelos jornais.

Um comentário:

Sônia Brandão disse...

Pena não ter sido escolhido.
Participar de concursos é como jogar na loteria.
bjs