quinta-feira, junho 04, 2009

Três perguntas para Vila-Matas

Três preguntas para Vila-Matas

Daqui

1) Suicidios exemplares foi publicado em 1991, antes de livros como Bartleby e companhia, O mal de Montano, Paris não tem fim. Que Vila-Matas é esse? O que o leitor brasileiro, que conhece suas obras posteriores, pode esperar deste livro?

É um Vila-Matas em estado puro, um livro respeitado até por meus inimigos. Além disso, é um claro precursor de Bartleby e companhia, já que narra histórias de pessoas que se retiram de uma atividade. Também precede Doutor Pasavento [que a Cosac Naify publicará ainda este ano] porque no conto “A arte de desaparecer” se fala, pela primeira vez em minha obra, sobre o tema de recusar-se a publicar, o medo de sofrer a exposição pública como se fosse uma ofensa; uma sensação de desnudar-se e de humilhar-se como se estivesse diante de uma comissão médica militar uniformizada. Escrevi Suicídios exemplares para me indagar sobre minhas relações com a vida e a morte, sobretudo com esta última, já que da janela do sexto andar, onde moro, a possibilidade do vôo se oferecia muito facilmente. Lembro que, enquanto eu escrevia estas histórias – tendo em conta que, geralmente, me identifico sempre com os personagens do livro que estou escrevendo –, sentia um certo temor de provar minhas asas e me matar.

2) No início de um texto de A volta ao dia em oitenta mundos, Cortázar se pergunta: “quem nos resgatará da seriedade?” O suicídio, um tema sombrio por excelência, em Suicídios exemplares é tratado com humor, uma sutil ironia.

Tinha medo que fosse um livro que conduzisse ao suicídio, e temia até mesmo ser acusado judicialmente por incitar as pessoas a tirar a vida com as próprias mãos. Mas aconteceu o contrário. Comecei a receber cartas de leitores que eram suicidas em potencial, e que adiaram a decisão de se matar depois de terem lido o livro e terem caído na risada com algumas das histórias, ou com alguns dos finais dessas histórias.

3) Em Suicídios exemplares, há um forte componente narrativo. Há tramas, histórias envolventes. Borges, no famoso prólogo que escreveu para A invenção de Morel recupera e tenta, a seu modo, driblar a afirmação de Ortega y Gasset: “hoje em dia, dificilmente será possível inventar uma aventura capaz de interessar a nossa sensibilidade superior”. De Suicídios exemplares a livros como Doutor Pasavento, houve mudanças no modo de encarar a trama, a narrativa, a aventura?

Não perco de vista a narração de histórias, a trama. Mas, em meus últimos livros, essas tramas foram invadidas pelo ensaio, pela reflexão. Algo como um “pensamento narrado” ou “ensaios narrados”. Tenho procurado sempre mudar. Me aborrece muito me repetir. Encaro como uma evolução. E conto com leitores fanáticos pela minha primeira fase (Suicídios exemplares, Hijos sin hijos, Extraña forma de vida), às vezes até contrários a minha vertente mais reflexiva (Montano, Pasavento). Em Exploradores del abismo, acho que consegui combinar as duas vertentes. Mas é isso: não gosto de me repetir.
Chris Shaw – há muitos anos o engenheiro de som preferido de Bob Dylan – conta que, ao fim de um show, se aproximou de Dylan e, referindo-se à interpretação de It’s Alright Ma que acabara de ouvir, quis saber se alguma vez o músico tinha voltado a tocar a versão original da música. Dylan o olhou e disse: “Bom, você sabe, um disco não é mais que o registro do que você estava fazendo naquele dia em particular. E ninguém gostaria de viver o mesmo dia uma e outra vez, não?” A anedota não só expõe uma crença artística, mas um modo de vida. E isso me faz pensar não apenas na necessidade que sempre tive de modificar tudo o que se apresenta como original, e também na angústia que sinto como escritor quando alguém me fala sobre uma página, um capítulo ou um livro publicado há anos. Isso acontece frequentemente quando se apresenta um romance em um país estrangeiro e se tem que aparecer em público, como se tivesse acabado de escrevê-lo e, além disso, assinar em baixo de tudo que ali se disse. Escrevemos precisamente pelo motivo contrário, para ir modificando nossos originais. São situações muito incômodas e, em certas ocasiões, beiram o pesadelo quando se vê que o outro se fortalece na crença de que se é o mesmo do que quando, horas ou anos atrás, escreveu aquilo. Escrevo para não viver o mesmo dia outras vezes. Como Dylan é sábio.

Leia aqui abaixo.

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