domingo, março 01, 2009

Perto do coração

by Sarah Illenberger- Lembra Leonilson, não é?




Copiei daqui, este blog era muito bom, pena que acabou.



Estava lendo, ou estou, "Histórias de uma cidade"*
Ele é exatamente o que este site diz: um livro para divertir. Hoje pensava que daria um bom seriado. Devem ter feito já.

Ontem pensei que poderia perder temp lendo algo melhor, e peguei "Perto de um coração selvagem"**, de Clarice, que eu não havia lido ainda. Ai, Clarice, eu choro com ela, é maravilhosa.
"Histórias de uma cidade" é mais leve, óbvio, tem umas 500 páginas, ontem vi que já li mais de 250 e se espremer fica quase nada. Tem a mocinha que vai morar em São Francisco num predio onde a dona, que é uma simpatia, planta maconha. Uma vizinha tem um amigo gay, super gente fina, desempregado, que vive em lugares onde possa arranjar um namorado- podem ser encontros numa lavanderia, ou supermercado. Há tambem o empresário rico que está com câncer, a mulher fútil, que transa com o entregador, o genro que é infeliz... e assim vai.
Sobra o quê? Você fica sabendo como viviam na década de 70 ali. Nada de novo para quem conhece gays ou sabe um pouquinho como era na década de 70 NY ou São Francisco, mesmo Rio e S Paulo- pré AIDS. Uma loucurraaaaaaaaaaaaa. Muitos morreram por desconhecerem a doença, mas isto já é outro assunto.
Eu não vou mais ler, cansei. E aqui o comparam com Charles Dickens, faz favor...Ou Scott Fitzgerald, sei lá, daqui a pouco vão dizer que lembra Dostoiévski. Acho até que li isto. Ai ai os tempos mudaram. Este livro não me toca, apenas leio na hora de dormir, já com sono.

Ler Clarice ou a Kisteva com sono é perder. Deixar de saborear um bom texto.

O " Sol negro" é com um estudo, preciso ler com atenção e há dias em que leio e perco o que li, felizmente o assunto já é conhecido, fala de teoria freudiana e kleiniana.

* escrito pelo ativista gay americano Armistead Maupin, abordando a vida dos moradores de São Francisco, na Califórnia

**
Leiam o início do livro que Clarice escreveu quando tinha uns 16 anos de idade. Impressionante!

Trecho de "Perto do coração selvagem"

A máquina do papai batia tac-tac... tac-tac-tac... O relógio acordou em tin-dlen sem poeira. O silên­cio arrastou-se zzzzzz. O guarda-roupa dizia o quê? roupa-roupa-roupa. Não, não. Entre o relógio, a má­quina e o silêncio havia uma orelha à escuta, gran­de, cor-de-rosa e morta. Os três sons estavam liga­dos pela luz do dia e pelo ranger das folhinhas da árvore que se esfregavam umas nas outras radiantes.
Encostando a testa na vidraça brilhante e fria olhava para o quintal do vizinho, para o grande mundo das galinhas-que-não-sabiam-que-iam-morrer. E podia sentir como se estivesse bem próxima de seu nariz a terra quente, socada, tão cheirosa e seca, onde bem sabia, bem sabia uma ou outra minhoca se espreguiçava antes de ser comida pela galinha que as pessoas iam comer.
Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Bran­co. Mas de repente num estremecimento deram cor­da no dia e tudo recomeçou a funcionar, a máqui­na trotando, o cigarro do pai fumegando, o silêncio, as folhinhas, os frangos pelados, a claridade, as coi­sas revivendo cheias de pressa como uma chaleira a ferver. Só faltava o tin-dlen do relógio que enfei­tava tanto. Fechou os olhos, fingiu escutá-lo e ao som da música inexistente e ritmada ergueu-se na ponta dos pés. Deu três passos de dança bem leves, alados.
Então subitamente olhou com desgosto para tudo como se tivesse comido demais daquela mistu­ra. "Oi, oi, oi...", gemeu baixinho cansada e de­pois pensou: o que vai acontecer agora agora agora? E sempre no pingo de tempo que vinha nada acon­tecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer, compreende? Afastou o pensamento difícil distraindo-se com um movimento do pé descalço no assoalho de madeira poeirento. Esfregou o pé espiando de través para o pai, aguardando seu olhar impaciente e nervoso. Nada veio porém. Nada. Difícil aspirar as pessoas como o aspirador de pó.
— Papai, inventei uma poesia.
— Como é o nome?
— Eu e o sol. — Sem esperar muito recitou:
— "As galinhas que estão no quintal já comeram duas minhocas mas eu não vi".
— Sim? Que é que você e o sol têm a ver com a poesia?
Ela olhou-o um segundo. Ele não compreende­ra...
— O sol está em cima das minhocas, papai, e eu fiz a poesia e não vi as minhocas... — Pausa.
— Posso inventar outra agora mesmo: "Ó sol, vem brincar comigo". Outra maior:
"Vi uma nuvem pequena coitada da minhoca acho que ela não viu".
— Lindas, pequena, lindas. Como é que se faz uma poesia tão bonita?
— Não é difícil, é só ir dizendo.

(Perto do coração selvagem, Editora Nova Fronteira, 7ª edição, 1980)
Copiei daqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como sempre, descobertas agradaveis!
Clarice Lispector tem textos que ilustram quão grandiosa era como pessoa e mulher, eu acho!
Que continue bem, Laura. Desejo.
beijo

Laura_Diz disse...

Maria querida,obrigada. tudo de bom para vcs ai tb. Bj Laura