Não sabia
Esperava no banco da praça, chegara antes desta vez. Ali o tempo não existia. Não sabia mais a hora. Havia ansiedade no olhar fixo na alameda por onde ele viria. Observou uma mulher grávida e gorda, lenta. Teve raiva. Crianças brincavam com um carrinho ruidoso. Queria silêncio, alerta total.
O vento derrubava folhas de outono sobre ela, odiava a poeira na pele cuidada para ele.
Fingiu ler os livros recém comprados na Livraria Cultura. Depois de algum tempo, desistiu, não conseguia desgrudar os olhos da aléia. Apertou o livro contra o peito como se o gesto pudesse aplacá-la.
Conheceu-o na Cultura há mais de um ano. Ela, desajeitada, derrubou os três livros que escolhera. Abaixou-se para ajudá-la e ela viu os olhos verdes curiosos que deslizaram pelos seus seios, emoldurados no V do decote. Usa vestidos no verão, quer leveza e pernas de fora.
Amaram-se nas tardes chuvosas e frias do inverno. Ele a despia dizendo: "Parece um repolho de tantas roupas". A resposta era sempre a mesma: "Sabe que sou friorenta, me aqueça" e em seguida ela, rindo, se pendurava no seu pescoço enroscando-se como hera no corpo tépido dele.
Apertou tanto o livro que o amassou, percebeu o silêncio em volta, as crianças, como os pássaros, se recolheram.
O sol se escondera. Seriam nuvens ou o entardecer? Não sabia.
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