domingo, setembro 02, 2007

Caindo de amores




















Vocês sabem o quanto gosto de falar de amor.
Pontalis, diz coisas interessantes, vou reler, e comentar outro dia. Cair de amor, estar enamorada, é como entrar em algo vertiginoso. Eu não tenho mais a minha vida em minhas mãos.
Contardo diz que a diferença entre amor e a paixão é que na paixão eu me entrego em sacrifício pelo outro. Acho que é por aí, faz sentido.
Eu não sinto a minha capacidade de amar diminuir com o tempo, a idade, isto é balela, Drummond, aos 83 anos, me disse que eu era um sangue novo nas veias dele. E eu acreditei. Isto é maravilhoso! Quero ficar velhinha enamorada.

O que vocês pensam sobre o que é dito aqui na entrevista?

Leiam e comentem:

Caindo de amores

O psicanalista Jean-Bertrand Pontalis usa Freud, Proust e Woody Allen para discutir o sentido da paixão e do prazer na arte e na vida contemporânea

JACQUES DRILLON

Na entrevista abaixo com Jean-Bertrand Pontalis, o psicanalista e filósofo fala de amor, do prazer da mulher, de idealização, da perda da virgindade e do acaso.
Pontalis, 83, é autor de livros como "Entre o sonho e a dor" (ed. Idéias e Letras) e "Vocabulário da Psicanálise" (Martins Fontes). Em seu novo lançamento, o psicanalista consagra um belo livro a "Elles" [Elas, ed. Gallimard, 200 págs., 15,50, R$ 42].

PERGUNTA - Quando "caímos de amores" por alguém, iniciamos uma história?
JEAN-BERTRAND PONTALIS - Penso que sim. Gosto muito desse verbo, apaixonar-se ["tomber amoureux", literalmente "cair de amor"], que, entretanto, é menos forte que no inglês, no qual caímos no amor ["fall in love"]. É uma queda. Ficamos muito felizes quando isso acontece mas também sobressaltados. O que está acontecendo comigo, o que vai acontecer comigo? Para onde caímos?
Ou, melhor dizendo, de onde caímos? Caímos de nós mesmos, caímos fora de nós mesmos, caímos no outro. Até a alienação, como Swann [personagem de "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust], que cai no ciúme, na inquietação, na preocupação permanente, na busca, na investigação: o ser amado se torna totalmente impossível de ser apreendido, o "ser de fuga", como diz Proust.
Ou então é a outra parte de nós mesmos que se exprime...
Assim, um de meus personagens começa a vigiar a mulher que ele ama, a desconfiar dela, a segui-la como um detetive... É um outro que nos é revelado dentro de nós mesmos. Como quando escrevemos: não sabíamos que sabíamos aquilo.

PERGUNTA - Para o sr., contudo, falar de amor é fazer o elogio do amor.
PONTALIS - Um elogio da diferença -da diferença sexual. O outro é verdadeiramente o outro. É o outro que pode descobrir o que temos de outro em nós mesmos, nossa própria feminilidade, talvez.
Uma das grandes contribuições da psicanálise é manter a idéia da bissexualidade psíquica, ao mesmo tempo em que afirma a diferença entre os sexos. Somos bissexuados e anatomicamente diferentes do outro sexo. A anatomia é o destino!

PERGUNTA - Quando nos apaixonamos, nos aproximamos dos animais ou nos distanciamos deles?
PONTALIS - Nós nos distanciamos. Aliás, o sexual não está obrigatoriamente em jogo nesse momento. Inversamente, se você sente o desejo irreprimível de transar com uma garota, não necessariamente está apaixonado por ela.

PERGUNTA - Seu livro é extremamente masculino. Poderia igualmente intitular-se "Nós".
PONTALIS - Nós, com elas, contra elas etc. Não posso assumir o ponto de vista de uma mulher. Mas é justamente esse um dos temas do livro: o homem não tem acesso ao gozo da mulher. Ao mistério dos mistérios.

PERGUNTA - Ou seja, como você pode ter certeza de que ela gozou?
PONTALIS - Exatamente. É claro que existem alguns sinais "objetivos", contrações vaginais, o que eu sei disso? Que, além disso, pode ser histérica. Mas só podemos imaginar o que ela sente. Dizem sempre que é mais localizado no homem e mais geral na mulher, mas isso é vago. O gozo feminino é irrepresentável, logo, de certa maneira, inimaginável.
"O que deseja a mulher?", pergunta Freud, que, contudo, tinha o ar de saber um pouco sobre isso. Mas o que pede o homem? Para mim, a diferença vem da mãe. Um garotinho tem dificuldade em ligar a mãe e a mulher.
Tentamos explicar as coisas, falamos dos corpos, do desejo, do ciúme com relação ao pai, mas é uma maneira de organizar nosso desconhecimento.
A pergunta que não quer calar é: com o que sonham nossas mães? Como quando o narrador observa Albertine dormindo e se indaga: como ter acesso a seu pensamento, a seu desejo? Para onde eles a conduzem? Eis o inapreensível: a parte feminina da mãe.

PERGUNTA - Com o passar do tempo, a capacidade de amar diminui, assim como o resto?
PONTALIS - A libido pode se enfraquecer, mas ela se desloca para outros lugares, para o trabalho, a criação, o poder, pois uma das grandes descobertas de Freud é que a libido não está ligada unicamente ao sexo.
Somos apaixonados em qualquer idade. O resto não decorre, necessariamente... [o poeta Paul] Valéry dizia que um velhote apaixonado é "sem pé nem cabeça". Mas nem por isso ele deixa de se apaixonar.

PERGUNTA - Por que nos apaixonamos por esta e não por aquela?
PONTALIS - É uma pergunta impossível de responder e que nos fazemos freqüentemente em relação aos outros.
O que ele vê nela? Ela não tem nada de especial! E ele, o único que poderia responder, tem a capacidade de julgamento falseada por seu amor.
Dito isso, você pode muito bem não ser cegado pelo amor, pode enxergar os defeitos do objeto amado, pode enxergar nele o que os outros ignoram e amá-lo apesar de seus defeitos, até mesmo por seus defeitos.
Sou o único a saber disso, sou eu quem a descobriu, eu gosto disso. Não existe cegueira, mas superestimação e, mais ainda, idealização: ela é então a dama do trovador. O amor torna-se casto.

PERGUNTA - O amor precede a cegueira ou vem depois dela?
PONTALIS - Em "A Anatomia da Melancolia", Robert Burton (1577-1640) diz: "O amante é obcecado por ela: seu rosto doce, seus olhos, seus atos, seus gestos, suas mãos, seus pés, suas palavras, sua altura, sua largura, sua profundidade e todas as suas outras dimensões são, desse modo, revistas, medidas e registradas pelo astrolábio de suas fantasias".
Essa palavra chamou minha atenção. Haveria dentro de nós um aparelho que orienta nossa travessia. Se, então, eu não puder responder à pergunta "o que ele vê nela?", é porque não tenho acesso a esse astrolábio de suas fantasias. Não tenho realmente acesso ao meu, tampouco. A escolha não é realmente voluntária e não é nem sequer fixa: ela é móvel, como nossas fantasias.

PERGUNTA - Por que devemos nos esforçar para agradar?
PONTALIS - Não agradamos -atraímos. É a imantação da qual fala Burton. Em outras palavras, buscamos fazer o outro sair de si. Como um ator. Não estou dizendo que fazemos de conta. Não é algo artificial, pensado. Mas é esse o princípio.

PERGUNTA - Somos desiguais na capacidade de amar, de gozar, de sofrer?
PONTALIS - Com certeza, assim como somos desiguais em nossa capacidade de sonhar.

PERGUNTA - Quando amamos, somos um ou dois?
PONTALIS - Essa fusão com freqüência é ilusória. Como diz [o cineasta] Woody Allen: "Que noite de amor maravilhosa! Éramos apenas um: eu". Queremos nos fundir no outro, desde que seja em nosso próprio benefício.
Em todo caso, não é bom ter sido amado demais, ter certeza demais disso. Freud dizia que tinha tanta certeza de ser amado por sua mãe que isso o tornou conquistador por toda a vida. Ao mesmo tempo, isso pode ser paralisante. Se satisfazemos plenamente a nossa mãe, ficamos paralisados com os outros.
O que o amor tem de bom é que ele nunca nos satisfaz totalmente. As mulheres às vezes acreditam que podem ser plenamente satisfeitas. Talvez essa idéia de vazio preenchido.
Talvez elas o sejam durante a gravidez? Vemos algumas que estão num estado de realização total. Mas o amor, a sexualidade sempre têm algo de inacabado. Freud diz ainda: existe na pulsão algo que resiste à satisfação plena. Não à satisfação, mas à satisfação completa.

PERGUNTA - Quando alguém ainda não fez amor, é um virgem ou um cabaço?
PONTALIS - Um garoto é um cabaço, uma garota é uma virgem. Talvez por causa de Maria. Ser virgem é uma escolha. Ao passo que ser cabaço é uma fatalidade. O orgulho do descabaçado.
Eu sou alguém, eu não sou mais qualquer um.

PERGUNTA - Por falar nisso, o que é "ir longe demais"?
PONTALIS - É temer que tudo possa voltar a ser banal. Muitas vezes sinto esse desejo de deixar as coisas como estão, de ser casto. Por medo de que tudo desabe.

PERGUNTA - O sr. reserva palavras terríveis para o amor que se queixa.
PONTALIS - É a queixa do doente, não a do grande doente, mas, sim, a do hipocondríaco: sinto dor aqui, sinto dor ali. O mundo é injusto, porque ela não me ama, ela me trai, ela é inacessível. É o narcisismo: isso não quer dizer "por que ela não me ama como deveria?", mas "como eu mereço"! Sendo que ela ainda gosta desse imbecil! A raiva, nesses casos, ainda supera muitas coisas. É melhor.

PERGUNTA - Podemos nos apaixonar por uma pessoa que nos faz bem ou nos faz mal. Não sabemos por que o dado cai desse lado ou daquele lado?
PONTALIS - É verdade. O amor cai sobre você, independentemente de qualquer projeto, de qualquer plano. É como uma travessia: vai fazer sol ou cairá uma tempestade? Às vezes um único objeto amado dá os dois resultados: apenas aquele que faz você sofrer pode curá-lo de seu sofrimento.
O remédio está no mal. Assim como "eu te amo" também significa que você lança suas garras sobre alguém. Você é minha presa. É tanto uma declaração de amor quanto uma declaração de guerra.
Esta entrevista saiu na "Nouvel Observateur". Tradução de Clara Allain.

Da Folha

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