sexta-feira, maio 11, 2007

Mini conto Embaçado


























O vapor da água embaçava o vidro do box. Ele, então, desenhava bichinhos para me distrair. Ensaboava meus cabelos com cuidado:
"Feche os olhos minha princesa", e eu o obedecia com prazer.
Na cozinha minha mãe fazia a sopa do jantar.
Na tarde em que ele não voltou para casa, minha mãe me deu banho. Esfregava meu corpo com força, chorava sem parar. "Lave bem ai embaixo, senão fica com cheiro de peixe". Disse, entregando- me uma bucha de cerda natural. Eu esfreguei até doer, então comecei a chorar também.
Nunca soube porquê ele foi embora. Minha mãe, às vezes dizia: "Um dia você vai entender. Os homens são todos uns miseráveis, filhos da puta". Continuo sem saber, e ela está morta.
A primeira vez que fui para a cama com um homem, diante da minha dor, ele disse: "Você precisa ir a um médico, está machucada, não é normal".
Ao chegar em casa tomei coragem e me olhei com o espelhinho da bolsa. Desde então gosto de olhar, me tocar. Nunca cheiro a peixe, vivo atenta, me cheirando, me lavando, uso sabonetes especiais. Outros homens me penetraram e não mais com dor. Minha mãe me odiaria se me visse com um homem. Eu gosto de homens, deixo que me conduzam. Fecho os olhos e deixo que me amem.
Ainda hoje, mesmo nos dias mais felizes, ao entrar no banho, abro a torneira e sinto desejo de chorar. Uma sensação de abandono que invade. Quantas vezes as lágrimas se confundem com a água ensaboada que arde nos meus olhos...



Nota: Este conto eu escrevi depois que li um ensaio de Kathryn Harrison, no livro
“O corpo fala, aprenda a captar os sinais de alerta” de Patrícia Foster.

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