terça-feira, junho 20, 2006

O dia em que o Brasil perdeu na Copa.

Meu irmão, flamenguista doente, resolver fazer um churrasco no dia do jogo do Brasil no final da Copa. Eu disse que levaria as saladas. Papai, que mora comigo e com meu irmão- nos revezamos, passa quinze dias aqui, quinze lá- estava comigo naquela semana, disse que não queria ir, queria ver o jogo na minha casa, afinal não comia mais carne, restaram poucos dentes. Eu argumentei, sem grande convicção, que seria bom ver todos os filhos juntos, seria mais divertido do que ali sozinho.
Ele disse, não esqueço: "Não minha filha, estou cansado, quero ficar só hoje, não quero sair".
Estava sempre dizendo que cansara de viver, que já havia passado do ponto, "oitenta e cinco anos é muita coisa, imaginem, é quase um século, um dia ainda vou olhar no espelho e me perguntar quem é este sujeito ali na minha frente", dizia rindo tapando a boca desdentada.
Era simples, o velho, quase um espartano, dormia sem cobertor mesmo quando fazia frio, eu ia até o seu quarto e dizia: "Mas pai esfriou precisa colocar uma manta pelo menos, vou colocar aqui nos seus pés". Mas ele não usava, parecia não sentir frio. Sempre, lá por sete horas, ele começava a perambular pela casa, abria as portas todas, acendia a luz, dizia:
"Ah, é você que está dormindo aqui". Tudo o surpreendia de uns tempos para cá, parecia tudo novo, quando encontrava um filho perguntava notícias do passado, dizia querer voltar à cidade onde nasceu no interior do Paraná.
Antes saia só, agora não mais, fica a zanzar até que alguém levante, quando eu não ouvia seus ruídos ia até o quarto e o encontrava imóvel, esperava que fizesse um movimento, via se respirava, muito magro, era pele e osso, parecia morto enquanto dormia.
Nesta última semana dormiu até mais tarde, todas as manhãs eu fui até lá ver se estava bem: “Vamos, pai, coloque a sandália e vamos para a sala.
O jogo do Brasil foi emocionante. O Brasil perdeu nos pênaltis, foi um sofrimento horrível, muita tensão.
Assim que o jogo acabou eu me despedi de todos, sai em busca de um táxi, coisa difícil em dia de jogo, demorei a encontrar um motorista, o homem quase chorava no volante, fiquei com medo que batesse.
Chegando em casa, ao abrir a porta, vi a casa toda escura, a TV da sala ligada, meu pai não havia acendido as luzes, fui caminhando acendendo as luzes até o quarto dele. Ele estava deitado como sempre, imóvel, com a camisa aberta no peito, parei encostada na parede e esperei um movimento, nada, chamei “pai”, nada, então me aproximei, toquei na sua mão gelada.

Nunca esquecerei o dia que o Brasil perdeu naquela Copa, foi o dia que perdi meu pai.

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