segunda-feira, agosto 01, 2005
Meu vizinho Cézinha.
- “Eu vou almoçar”. Não estou certo? Pensei que o Mercadão desse almoço, mas nada, é só água, chá e biscoito vencido. Vou trabalhar de graça pros outros? Não vou não, dar banana pra macaco. Hahaha fica lá o Lélio engravatado só mandando, mas almoço que é bom nada, vim almoçar”.
Ouço sua voz às nove e pouco da manhã, fala sozinho alto, a frase se repete todos os dias, chova ou faça sol:
-"Não vou enricar os outros, não sou trouxa, vim almoçar".
A primeira vez que ouvi pensei que estivesse bêbedo, recomendei aos meninos que o evitassem, depois meu filho disse que ele é gente boa, que sofreu um acidente, caiu da rede aos sete anos e ficou assim, imaturo, mora no andar de baixo, não tem nenhuma maldade.
Cézinha tem mais de quarenta anos, um bigodinho fino, anda de óculos escuros, muito magro, sempre de bermudas. Trabalha num mercado famoso daqui, repõe as prateleiras de bom bril, produtos de limpeza.
- “Hoje coloquei mais de quatro pacotes de bom bril e esponja, o outro de gravata só passando. Hahaha.” Está sempre um pouco tenso, toma uma medicação forte, mas sorri com facilidade. Vigia a piscina o dia todo, manda as pessoas tomarem banho de chuveiro antes de entrar: “Tem que tomar banho de chuveiro, senão suja a água”.
- “Vou lanchar, ninguém me dá comida lá no Mercadão, estou certo, não estou"?
- Só chá e biscoito vencido, não é Cézinha? vai tomar seu Nescau?
- “Estou esperando minha mãe que ainda não chegou, já vai chegar”. Ele não sabe ver horas, apesar de ter um bonito relógio no pulso, nem tem noção das horas, eu acredito, qualquer hora é onze e meia- hora de almoçar.
- “Ainda bem que tem sua mãe para te dar as coisas, não é”?
A mãe trabalha o dia todo, ele trabalha de manhã, volta lá por nove horas e passa o dia andando pelo condomínio, gosta de receber as pessoas lá no portão, vem rápido quando a gente chega, gosta de carregar sacolas e falar, falar sem parar.
Cézinha caminha muito todos os dias, anda quilômetros.
Às vezes me dá sustos quando irrompe na minha sala sem bater na porta, vem trazer algum recado, é educado, mas não bate na porta, deve ser porque passa o dia todo entrando e saindo de casa e como fica mais só... Tem dois cachorrinhos poodle, tinha um, mas como quase morreu envenenado, logo a mãe arranjou outro, agora são dois, lindos, muito bem cuidados:
“ Vamos passear com o papai...” Às vezes diz:" vamos passear com a mamãe".
Gosto do Cézinha, meus filhos também, Betânia, também, meus irmãos idem, é uma figura querida por todos.
Ele me comove, sinto que é muito solitário, o discurso dele é fechado, não há interlocutores e passa o dia preocupado com o alimento, falta-lhe outro alimento, aquele que o Nescau não supre.
Esta história é verdadeira, troquei os nomes apenas.
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