segunda-feira, agosto 01, 2005
Meu pai
Agosto 2005
Esta foto é de meu pai casando, hoje faria 92 anos se não tivesse nos deixado em setembro passado, foi tão bom comigo que morreu uma semana antes do meu aniversário. Pobre velhinho. Na outra foto estou eu e ele lá no Rio Grande do Sul onde eu nasci.
Meu pai foi uma figura interessantíssima. Homem à frente de seu tempo, desde que me conheço por gente falava em preservar a natureza, era extremamente cuidadoso com os animais, as plantas, amava os bichos, os desprovidos, se emocionava com facilidade, mas era um homem que não sabia fazer um carinho apesar de ter sempre nos passado muito amor. Contraditório não? A mãe dele foi uma mulher amarga e fria, nunca a vi sorrindo ou fazendo um carinho nos netos, era portuguesa usava saias longas e roupa preta desde que perdeu a filha mais nova, eu só lembro dela de preto, chorava sempre ao ouvir os sinos da Igreja da Imaculada Conceição às seis da tarde, devia ter suas razões para ser triste.
Meu pai estava sempre de bom humor, caminhava muito, fazia Yoga, meditava- quando nada disto era moda- gostava de ler-lia diariamente-amava música clássica, brincava de reger quando éramos crianças, adorava fazer trocadilhos. Interessante que mesmo depois que ficou senil continuou fazendo jogos com as palavras. Ele era quem nos levava ao parquinho ou à piscina, disputávamos as suas mãos, éramos três na época.
Foi um homem sem preconceitos, não se importava com o credo das pessoas ou escolha sexual, nunca o vi fazendo uma critica, eu tinha muitos amigos homossexuais quando muito jovem e ele nunca fez uma piada ou critica. Foi um exemplo de ética e desapego. Não se importava com status social, nada disto era relevante. Andava com roupas muito simples, em Cabo Frio onde viveu muito tempo era considerado excêntrico e querido, os seus colegas contam que gostava de correr na Fábrica de Álcalis onde trabalhou alguns anos, se alongava em tiras de borracha de pneus nos intervalos (será que já conhecia os métodos de Pilates? acho que sim) e foi quem fundou a escolinha da Álcalis, com métodos modernos na época, isto foi no final de 60.
Ele nos deixou livres para escolher o que quiséssemos fazer, gostava de ler livros de educação moderna, tinha um livro de A.S.Neill “Liberdade Sem Medo” (Summerhill), que gostava muito, lia KRISHNAMURTI, “Don Quijote”, poesias...
E meu pai foi engenheiro civil e General, saiu do Exército em 1961 aos 49 anos, quando o Brasil começava a fervilhar, saiu com nobreza como o comandante da V Região Militar lá em Curitiba, mas nada disto importava, vivia noutra sintonia.
Ele me deixou como herança o olhar sem preconceito, o desdém pelo status, o cuidado com o alimento do corpo e da alma, tento passar isto para meus filhos.
Tenho saudades do meu pai, morreu sem memória e confuso, sofreu uma queda e depois disto vieram cirurgias e infecções hospitalares, sofria na cama, pele e osso. Foi muito triste ver um homem que foi até mais de oitenta anos super saudável, independente, se olhar no espelho e não se reconhecer mais, ele antes, adivinhando talvez, fazia piadas sobre isto, mas para mim foi o mais triste de toda esta história- sorte que eu não assisti esta cena, meu irmão contou- era vaidoso, gostava de pentear o cabelo no espelho, definhou na cama durante meses. Não merecia, eu não entendo esta de Deus, por esta e por outras acredito que aqui acaba tudo, viramos pó, não existe sentido em nada disto, não creio.
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