quarta-feira, junho 15, 2005
O marido da vizinha I.
A casa perfeita.
Dan foi deitar ontem à tarde, vou atrás dar um beijo e fechar as janelas.
Vejo a casa da vizinha, tão bem cuidada, tão perfeita, nunca havia visto uma casa tão bem tratada. Lembra muito a casa da cunhada de “ Mon oncle” de Jacques Tati, todos os dias eu lembro de Tati olhando da minha varanda os caminhos traçados no jardim, as plantas aparadas milimetricamente, a fonte na piscina recente.
- Coitada de vizinha, ficou viúva tão cedo.
- Por que está dizendo isto?
- Porque o marido dela morreu.
- Como você sabe que ele morreu?
- Por que eu sei, ele sumiu.
-Você é maluca, mãe, ele pode ter viajado...
-Eu sei, pode ter ido atrás de outra mulher, pode estar doente, na cama...mas ele morreu.
-Credo, mãe, você é doida mesmo, inventa cada coisa.
-Não estou inventando, o pobre do homem amava tanto esta casa, acabou de fazer a piscina e mal aproveitou, morreu.
-De onde você tirou isto, mãe? Esta tua maluquice?
-No dia do seu aniversário, eu acordei às sete horas, por ai, abri a varanda e em vez de ver o vizinho fumando um cigarrinho na varanda esperando o taxi, eu vi dois carros na porta e gente andando na varanda nervosamente.
-Como você sabe que estavam nervosos?
-Ah, Dan, tinha um homem que se parecia com o vizinho que andava de lá para cá, angustiado.
-Pensei primeiro que a casa talvez tivesse sido assaltada, Betânia quando chegou pensou na possibilidade de ter sido a mulher e não o homem que teria morrido, pensou em seqüestro, também, mas não havia carro da policia...
-Você fica vigiando a casa dos vizinhos, mãe, que feio...
-É impossível não ver, filho, é como no filme do Hitchcock. Lá pelas duas da tarde apareceu a mocinha na varanda ela nem conseguia andar direito-as pessoas da manhã já haviam ido embora-o namorado chega e ela chora abraçada com ele um tempão, mais tarde a mãe aparece, eu e Betânia ficamos aliviadas, não foi ela que morreu.
-E por que ficaram aliviadas se achavam que alguém tinha morrido?
-Sei lá, filho coisa de mulher, mulher torce por mulher.
-Pode ter sido um dos cachorros que morreu.
-Não, os cachorros estão lá. Pode ter sido um avô, mas foi o vizinho, vivia fumando, se eu pudesse tinha dito para ele parar de fumar.
-Continuo achando que você é doida, não sei como tem consultório e atende clientes, fica inventando coisas.
-Meu filho, no consultório eu imagino tudo que me contam, eu gosto, e é impossível não querer saber o que houve na casa da vizinha, está ali na minha cara todas às vezes que vou à varanda, não consigo não ver. E tem mais eu gostava do vizinho só de ver, eu ficava namorando a casa com ele, não estou dizendo que paquerava o vizinho, viu? É da casa que eu gosto.
- Não sei porque, casa mais cafona, toda arrumadinha.
-É o que ela representa, filho, você não entende ainda destas coisas.
-Você é doida, quando fizeram a piscina disse que a filha deles ia casar, agora que o pai morreu...
-Ainda acho que ela vai casar.
-Pois eu ainda acho que ele não morreu, está viajando.
-Não filho, quando a vizinha apareceu estava chorando muito, limpando as lágrimas no rosto ela fechou as portas, foi até a lateral da casa, como se fosse ver se estava tudo em ordem, parecia insegura, voltou a verificar se a porta está fechada e saiu com a filha e o futuro genro de carro.
Nunca mais vi o vizinho, não o acompanhei mais no cuidado pelo jardim, na varrição das calçadas, nunca mais.
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