quinta-feira, junho 30, 2005
A dor da fome e do desespero.
Maternidade.
Este diálogo é real, não fantasiei em cima. É uma história que está acontecendo em todos as favelas e guetos pobres do mundo,não só aqui no nordeste.
O desenho é meu de 76, é antigo, ainda não sei digitalizar bem.
Betânia chegou e nossa conversa foi esta:
- Bom dia, Betânia, tudo bem?
- Tudo bem, e a sra?
- Tudo bem também. Hoje estou ainda com sono acordei com a chuva. Lá choveu também?
- Choveu e muito, mas não encheu.
- Ainda bem. Sabe que fico pensando em você quando cai esta chuva com vento, que vento, hein? E os que estão no mar, imaginou? Dá até medo aqui, imagine lá no meio do mar. Não sei como tem gente que gosta destas coisas, eu tô fora.
- Você não quis trazer o teu filho hoje?
- Não, minha irmã está em casa hoje.
- Sabe que não conseguia dormir também porque tinha uma criança chorando, não sei de onde veio o choro, aqui no prédio não tem crianças pequenas, devem ser novos moradores, chorava muito, era bem bebê ainda, parecia com dor, demorei para dormir de novo, ainda era noite.
- E lá na favela que uma rapariga teve um filho, foi sozinha para parir.
- Por que sozinha?
- A irmã não tinha dinheiro para o ônibus, só foi ela.
- Coitada...
- Ai eu e a Dilma arranjamos cada uma um real e demos para a irmã ir atrás no hospital , tinha que ir de trem, senão o dinheiro não dava para voltar, disseram que ela ia ter o menino na 12, no Alecrim, a irmã foi até lá e não era, estava em Lagoa Seca, não sei o nome do hospital, o dinheiro não deu e voltou de pé. Estava morta de cansada.
- Nossa é longe, Lagoa Seca é perto de Lagoa Nova é bem para cá, coitada.
- Ai ontem eu e Dilma escutamos choro e fomos ver quem chorava, era a menina, chorava de fome.
- O bebê?
- Não a mãe do bebê, é uma menina de 16 anos.
- Nossa, que tristeza, Betânia.
- Ela chorava e dizia que queria ter dado o bebê mas ninguém quis. A gente foi em casa fez um prato de comida com tudo que achou e levou para ela.
- Pois é, ela tem que comer. Ela está amamentando?
- Está, mas se não comer...
- Pois é se não comer adoecem os dois. Pobre criança, nascer com uma sorte destas. Ela não tem ninguém, Betânia?
- Tem a irmã, que é outra desajuizada como ela e uma tia.
- E porque a tia não ajuda?
- A tia é drogada, tem pobrema nas pernas, manda os meninos pequenos para o sinal pastorar* os carros.
- E os pais dela?
- Não moram por aqui, todos vevem drogados, pai, mãe, tia, tio.
- Que tristeza, como esta menina ia sair diferente, não é Betânia?
- E o pai do bebê?
- Perguntei, ela disse que nem sabe quem é, que não tem idéia.
- Se eu e Dilma pudéssemos ficávamos com o bebê, é tão lindinho, é branquinho da cor de sua sobrinha.
- Pois é, dá vontade de fazer algo. Temos que fazer algo, Betânia. Deus meu.
*pastorar é tomar conta de.
Hoje escrevendo eu estou na dúvida achando que a menina que havia acabado de parir na vespera foi quem veio a pé com a outra, Betânia disse as duas, na hora não me toquei, duas? só se foi a que pariu...
Quem ainda não leu o conto de Raduan Nassar leia, tem um poema erótico do Drummond também logo abaixo.
Bom dia.
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