sábado, abril 02, 2005

Como era charmoso o meu francês- revisado por mim



Jean e Vânia



Outro dia disse aqui que não tinha certeza se alguma vez desejei realmente viver com alguém, por isso lembrei de Jean Guillaume- o francês que mudou a minha vida.

Jean escolheu Cabo Frio para viver a partir de 1961, eu o conheci no final da década de 60, “morava” com Vânia Penafiel, uma mulher requintadíssima, parecia uma boneca de porcelana. Vânia tinha três filhos, e eu era amiga de Consuelo, que era mais ou menos de minha idade. Nos reuníamos na casa dele antes de sairmos para a noite, que obrigatoriamente seria numa boate chamada “Monjolo”, ponto de encontro de todos.

Cabo Frio era um lindo balneário, sofisticado, havia acabado de ser descoberto por intelectuais, artistas do Rio de Janeiro.

Havia um hotel apenas, o "Colonial", portanto só os que possuíam casa de praia freqüentavam, e os amigos desta tribo chic e bonita. Como havia gente bonita!

Voltando ao Jean, eu ia para sua casa lá por onze da noite. Estavam sempre acabando de jantar, Jean, educado e sedutor, me oferecia um licor ou um sequinho, whisky sem gelo, que eu aceitava com prazer.

Havia sempre convidados, poderia ser Aluisio Magalhães, artista conhecido que desenhou algumas de nossas cédulas, Tânia Sherr, atriz, Ionita Salles- ex Guinle, Sérgio Braga, César Thedin, Werneck, Paraíso, um arquiteto muito simpático etc. Muita gente famosa. Ali era uma espécie de 'consulado', sempre com estrangeiros, falavam francês. Eu me deliciava. Aluísio estava sempre por lá e cantava uma música que jamais esqueci, mas não saberia repetir, dizia: “A letra A quer dizer amor ardente... a letra B, beijo...” não sei mais, perguntei para um conhecido de Recife, mas não conhecia, é do folclore nordestino.

Eu, desde o dia em que vi Jean pela primeira vez, fiquei encantada, ele era da idade de meu pai- posso dizer que foi meu amor edípico- e foi o homem mais encantador e charmoso que jamais conheci. Acho que nem Chico Buarque ganha, com sotaque francês ainda por cima!... Era um misto de Gary Cooper e Humphrey Bogard, pode? Pode. Era lindo como um Gary Cooper, olhos azuis, um metro e oitenta, por aí, e tinha um cinismo e um charme como o de Humphrey Bogard.
Irresistível. Mas ele não prestava atenção em moçoilas e eu naquela época era muito tímida, não conseguia aparecer, ficava quieta, não dizia nada, só ouvia- sempre gostei de observar-  daí a psicanálise como escolha profissional e que eu gosto tanto.

Jean tinha três casas. Comprou o terreno até a rua de trás. A da frente, com entrada numa rua, havia o quarto das crianças - Ricardo, Consuelo, Cláudia- e outro de casal- o quarto de Vânia; no centro do terreno, o atelier, onde dormia e recebia os amigos. Na porta de entrada havia uma placa pendurada onde dizia: “não perturbe”. Abria a porta depois das cinco- “open house”. Ali havia um jardim coberto por conchas com um barco,- você poderia sonhar estar na praia-, e uma sala deliciosa envidraçada no atelier...
Eu o visitava quase todos os dias, ligava na hora que eu acordava- lá por onze da manhã, imaginem- e perguntava se ele estaria em casa mais tarde, "Oui, mon amour", ouvia do outro lado da linha.

Depois da praia, no final do dia, eu ia para lá- morávamos muito perto. Eu o observava pintar, não abria a boca, só ouvia, ele falava pouco, mas contava suas aventuras. Muito jovem fugiu de casa, fez o pai assinar um papel sem saber que o autorizava viajar. Foi para a África como marinheiro, pintava o navio, começou a pintar aquarelas para ganhar um dinheirinho a mais, também. Esteve na guerra na Indochina, fugiu de campos de refugiados, viveu na Côte d’Azur, foi amigo de pintores famosos, amou muitas mulheres- dizia que as chinesas são as melhores amantes do mundo.

Vocês acham que eu ia abrir a boca e falar dos meus problemas, que aquela altura eram "gigantescos"- eu vivia deprimida-  para um homem que eu achava o máximo e que havia vivido tudo aquilo e me contava sorrindo? Meus problemas viravam 'umbigo puro'.

Depois de minha mudança para o Rio, eu o via nos fins de semana, todas as vezes que ia à Cabo Frio, bebia “pastisse” preparado pela fiel escudeira dele, a Anúsia.

Minha vida havia mudado muito, muitas coisas aconteciam, mas eu não contava ao Jean. Tinha amores e desamores, mas só falava da faculdade, livros, mas pouco. Nesta época eu já havia começado a desenhar, mas demorei muitos anos para tomar coragem e mostrar para ele. Um dia estavam Jean e Carlos Scliar juntos e mostrei os desenhos, eu, muito envergonhada. Eles disseram em coro que eu era a Jean Cocteau brasileira. Imagine...
Eu já havia ouvido falar em Cocteau, minha mãe falava, mas não conhecia nada dele, sabia que era um intelectual, associava a Marais, cinema e mais nada. Quando vi, bem mais tarde um desenho dele, me assustei, é muito semelhante ao meu, traço contínuo, figuras de perfil... Scliar disse que eu poderia fazer ilustrações, fiz uma vez, apenas, para uma revista de psicanálise, uma caricatura de um psicanalista argentino, acho, esqueci o nome. A revista sumiu- estava na estante do consultório.

Eu penso que a vida me deu oportunidades e eu perdi por preguiça, timidez ou melancolia, sei lá. Nunca fui atrás de nada. Por isso digo que a gente deveria ter outra chance, como disse o Vittorio Gassman, viver primeiro com ensaio, como acontece no teatro, depois para valer.




Sabem qual é o meu cheiro preferido? De atelier. Adoro cheiro de tinta óleo, acrílico, qualquer cheiro que lembre aquele francês especial.
Depois dos trinta, Jean me descobriu. Dizia que eu era o “caso impossível” dele, nós nos amamos, mas nunca houve nada além de beijos rápidos na despedida, eu adorava quando ele me pegava forte e me puxava contra o corpo dele e me beijava, adorava aquele toque nos meus lábios. No atelier, antes, ficávamos "namorando", nos tocávamos muito, mas nada erótico em excesso, ele estava com mais de sessenta, chegando nos setenta, e eu sempre tinha uma outra “paixão”. Ele estava com muitos problemas de saúde, não gostava de falar sobre isto, sorria apenas, continuou bebendo whisky puro até o fim, e fumando. Dizia que dos prazeres estes eram os únicos restantes.

Ele era um artista completo, tudo transformava em arte, gostava mais dos quadros surrealistas e os guardava num quarto separado e só os 'escolhidos' tinham acesso. O atelier também só era frequentado pelos escolhidos. Era numa sala, da casa de trás que recebia a todos, muitos mineiros- Cabo Frio foi invadida por mineiros. Nas paredes havia uma quantidade de pequenos quadros, ele dizia brincando que era Anúsia quem os pintara, fazia para sobreviver, vendia facilmente, eram baratos.
Numa das paredes, havia um buraco para o "Nobody" passar, era um vira lata muito simpático, que circulava com liberdade.

Mas por que lembrei de Jean? Porque dizia, e eu acredito, que se você quer viver uma paixão, conservar um amor, não more junto. Ele sempre manteve duas casas. Vânia chegou de surpresa com os três filhos e passou a viver em Cabo Frio com ele- eram namorados no Rio, onde moraram.

Jean morreu em 1985, depois da morte dele passei a não querer mais voltar à Cabo Frio, não havia mais razão para ir, a cidade perdeu completamente o charme com a morte de Jean, nunca será mais a mesma.

PS: Conheci, há algum tempo, outro homem charmoso como Jean, Olivier Anquier, não por acaso francês. Mas, este, só conheço de longe :)
Ontem uma amiga me disse que eu vivi lá em outra encarnação, deve ser. Se existe...

4 comentários:

Ana Carina Rodrigues disse...

Primoroso... Tantas histórias lindas que você tem pra contar... Hoje não há tantos homens charmosos como os que você conviveu... Os que poderiam ser tem o ego inflado demais pra isso. Pobre da minha geração que não tem e não terá essas sensações deliciosas para relembrar...
Bjs

Anônimo disse...

Chère Madame,

Vous semblez avoir bien connu Jean GUILLAUME, auriez vous la gentillesse de prendre contact avec moi car je cherche des informations à son sujet.

Bien à vous.

Pascal ROMATET
proamtet@andriveau.fr

Anônimo disse...

mon adresse email est la suivante:

promatet@andriveau.fr

Cláudia Ribeiro disse...

E entre a casa e o atelier havia um pequeno barco parado no jardim de conchinhas brancas...e uma passagem bem pequena onde eu quando criança costumava brincar...e o Sr. Jean deixava a criançada brincar a vontade, ele era um amor de pessoa, apesar de que me lembro pouco desta doce infância...saudades!!!