sexta-feira, abril 01, 2005
Amor intocável
Hoje eu ia contar uma historinha do Drummond, mas como eu disse aqui desde o inicio, vou postar sempre um poema do meu poeta, aquele que escreveu para mim, o meu querido amigo Pimenta.Está na hora de mostrar mais um poema dele.
Pim morreu muito cedo, tinha vinte e poucos anos, parece que de Doença de Chagas depois de uma temporada em Recife- com estas novas noticias sobre a Doença, em sucos, fico a pensar que deve ter sido algo assim. Morreu vinte dias depois de ter chegado de Recife, isto na década de 70.
Mas vamos ao poema.
Não tem titulo, é numerado.
1
Você tem voz de menina assustada
e palavras de mulher moderna;
eu não sou adaptável,
nota-se bem- eis a minha confusão
(exposta como o corpo nu)
e seus corolários de medo.
Você tem um macio sorriso
e fossas homéricos –dantescas;
eu não vou ficar na frente
da locomotiva e mil vagões,
porque o amor não espera
até morrer covardemente:
ele sai por aí, fantasiado,
“palhaço das perdidas ilusões”.
2
Quando me vir na rua
No meio da multidão
Diga ao próximo passante
Lá vai o meu amigo
Que me ama diletamente
Na enxurrada de vida
Mas não se esquece de mim
Lá vai com sua poesia
Quase –menino ainda
Tenho tanto dentro dele
Que nem me importa esse medo
Que nem me importa...
3
Many ways to love.
Você deve saber. De muitos modos próprios.
(Os homens barbudos bocejam no mar).
Algum amor nos dói: desatinos,
a incrível mania de complicar tudo,
e certas franquezas intimas -etc.
Mas há também dos bons; eu sei.
Você não sabe.
Quero dizer que não sabe. Não viu nada.
Ficou parada no quarto fechado,
nas noites insones e dias dormidos?
Não, ano pode saber. Amor tem manhãs...
Tem “te-encontro-cedo-logo-amorzinho”.
Alguém te disse amorzinho? Ah- ah, taí;
Tenho guardada comigo certa palavra doce
no canto de toda minha confusão,
no limpo de minhas vergonhas e rubores,
para um dia –manhãzinha em que acorde,
e eu lhe diga mansamente:
querida, oi.
Jose Geraldo Pimenta -o meu poeta jamais esquecido. Não é um lindo poema e linda declaraçào de amor?
Pimenta me leva às lagrimas, éramos confidentes, trocávamos cartas. Ele vivia em Niterói, fazia engenharia, eu vivia em Ipanema, fazia psicologia na PUC. Nesta época nos víamos pouco, era muito longe, ele era muito duro, vivia numa pensão - um dia posto as cartas dele falando da pensão, do confinamento, dos delírios de amor. Havíamos convivido durante alguns anos na escola, ele fez comigo o científico. Eu era a única mulher na sala de aula, estudávamos à noite. Isto em Cabo Frio, Pimenta era de lá, era considerado o Gênio pelos professores e conhecidos, era precoce, só tirava dez, estudávamos Integral, Derivadas... não esqueço, comendo pipocas. Eram cadernos e mais cadernos de exercícios, eu gostava, aliás, gosto de matemática até hoje, quando estudo com meu filho mais novo parece que estou jogando.
Pimenta era timido, muito, nunca se declarou pessoalmente. Quando estava em Recife, me ligou e disse que a distância era tanta que ousava dizer que me amava. Eu, como sempre, disse que eu era uma fantasia dele, que criara esta Lian para ser sua musa, etc e tal, disse que não, que eu existia e ele me amava. Prometi que conversaríamos pessoalmente assim que chegasse, nunca mais nos vimos, ele morreu. Felizmente eu como sempre fui delicada, jamais fui grosseira com alguém que me amasse, real ou imaginariamente. Amor é afeto precioso, nunca deve ser descartado.
Eu cliniquei muitos anos em psicanálise e conheci muitas pessoas incapazes de se apaixonar, para mim estar apaixonada era vital, eu só vivia assim, mas conheci pessoas secas, áridas, algumas despertaram com a análise, outras não, mantiveram-se sempre alerta. Não é fácil atender pessoas extremamente defendidas. O Pimenta, no poema fala do meu medo de amar, mas não era assim, eu me atirava cegamente, nesta época, 70, era apaixonada por um lindo portuguezinho, namoramos quase 4 anos, mas é história para outro post, eu não amava o Pimenta como ele me amava, apenas como o meu querido amigo poeta.
Bom dia!
Namastê.
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Um comentário:
Que lindo poema! Que linda história!
E o poeta morreu aliviado por ter ousado declarar seu amor e na esperança de encontrá-la para uma conversa... que, de maneira diferente da esperada, acontece sempre, quando você lê seus poemas e conta essa história.
Cristina Coutinho
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