Há anos ouço falar do escritor japonês e nunca havia lido. Como vocês sabem, um problema nos olhos me afastou da leitura e filmes. Eu ontem ouvi "Sono" e fiquei encantada. É um escritor que nos faz refletir sobre a vida e a morte. Uma dona de casa, que ele não nomeia como os outros dois personagens, tem uma vida "perfeita", não lhe falta nada, o marido é fiel, o filho tranquilo. Uma noite, naquele estado entre o sono e a vigília, viu um homem em pé à beira de sua cama, um velho muito magro. Tentou identificar na sua memória quem seria, mas não conseguiu. Seria um sonho ou uma visão? Acordou suando e em pânico. Teria essa imagem a assustado ao ponto de não mais sair da vigília, do estado de consciência? É depois disso que passa a não dormir, retoma à leitura, que havia abandonado. Lê "Anna Karenina", de Tólstoi. Descobre o prazer de estar só, de tomar, aos poucos, o resto de conhaque que há numa garrafa, o pedaço de chocolate encontrado entre as páginas do livro a faz lembrar que gostava e passa a desejar ardentemente saboreá-lo; sai de madrugada para qualquer lugar... Conta que há 13 dias não dorme, se questiona se ela seria um ser mais evoluído da nossa espécie, pois sabe que há comprovação da importância do sono para nosso equilíbrio mental e físico. Nada acontece com ela. Não quer procurar um médico. Gosta de estar assim. Seu cotidiano era repetitivo: a despedida do filho e do marido sempre igual, as frases repetidas: "Se cuidem", "Não se preocupe", ouvia de volta. Sempre o mesmo gesto cronometrado dos dois ao darem adeus do carro- cena que me lembrou Jacques Tati no filme "Mon oncle", onde tudo é sempre igual-; o almoço feito com praticidade; a ida à piscina para nadar- gosta de seu corpo; a volta do marido; a hora dele se recolher... Certo dia estaciona num pátio sob a luz do poste e um policial se aproxima e a avisa que não é seguro estar ali- houve um crime, um casal namorava num carro e foi assassinado. Volta para casa, toma café, nunca tem sono, nem desejo de dormir. Pensa em quantas coisas pode fazer nesse tempo... O marido não percebe nada diferente nela, nem sua falta na cama, o filho também não. Mas ela está cada dia mais atenta a tudo, passa a observar o marido e filho e sentir que os desconhece e eles a ela. Lê vorazmente o autor russo. Como Anna, a protagonista do livro, também ela sofria com a rotina, a falta de graça no viver. Também Anna teve um pesadelo. O marido "perfeito" não lhe atrai mais. Numa madrugada veste-se como um homem, coloca boné para esconder o cabelo, e sai em direção ao estacionamento onde o guarda a alertou do perigo. Para sob um poste iluminado, repetindo a cena anterior, fecha o carro e percebe vultos em volta do carro, entra em pânico. Não contarei o final, que é aberto- você pode imaginar o seu final para a história da jovem senhora entediada e sem nome, nisso difere de Anna Karenina. Mas teria um final trágico, como a outra ou não? |
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