sábado, dezembro 14, 2013

Cenas no hospital




O belo negro

Entrada:
- Seus documentos,Sra.
- Ih! acho que esqueci a carteira da FUSEX...(remexendo a bolsa). Ah! achei.
Olhando o rapaz de farda anotando seus dados:
- Como você é bonito! Que olhos!
- Obrigada, Sra. Pode seguir.
- Digo isto porque não sou mais jovem.
Ganho um sorriso.



Na sala de espera

A sala da frente está cheia, cumprimento a recepcionista, digo o que preciso e me dirijo à sala contígua. Abro a garrafinha de água mineral. O gás explode, molha o chão. Olho para o lado e a senhora gorda finge não ter visto, a menina ao lado me sorri curiosa. Procuro na bolsa lenços de papel para secar o chão.
Abro o livro, leio trechos que reconheço, onde teria parado? Releio desde o início.

Uma figura de preto entra e dá meia volta quando me vê, não vejo o rosto. Reconheço a imagem esguia de minha vizinha da frente.  Vejo os saltos altos e a malinha preta de rodinhas seguirem apressados.
Não a flagrei, tive vergonha.
Na saída da sala da médica, esbarro com ela, que entrava.
Digo: Somos vizinhas de frente, Dra.
Ela: Pois é, que coincidência.
Eu: E não me dá remédio...
...
Hoje pela manhã, na minha varanda havia quatro caixas de papelão com trinta caixinhas do medicamento que uso.
A faxineira:
- Ela deixou tudo isso para não ter que lhe dar aos poucos, não ter que falar.
Penso que está certa.
Já agradeci por e-mail. Amanhã entregaremos uma flor, quem sabe uns lírios.
Na sala do superior

O Sargento relutou em me dar permissão para pegar a receita com a médica. Repetiu várias vezes, enfático:
- O dia é quinta feira, já faz quatro meses que é quinta- feira.
- A última vez que estive aqui, a Dra. disse que estaria aqui nas segundas e quartas.
- Mas o dia é quinta- feira.
Ele pega o telefone e liga para a recepcionista e repete o que me disse.
Eu mostrei que o remédio estava acabando.
Ele: A Sra não deve deixar para vir quando está acabando. Vá até lá e veja se ela lhe atende, vai demorar umas duas horas.
- Não tem problema. Obrigada.
Não demorou nem meia hora.

Tristeza

De volta, na sala de espera, eu choro em silêncio. Não sei bem o porquê. O tom desagradável do sargento, sempre grosseiro me incomoda, fere.
O Hospital lembra meu pai velhinho. Quantas vezes percorri o longo trajeto de paralelepípedo, sob o sol quente, e encontrei meu pai sofrendo, já desmemoriado. Quantas vezes me assustei naquele quarto simples e mal cuidado diante da morte.
O hospital foi reformado, mas o atendimento, com exceções, claro, é muito ruim. Ou éramos mais bem tratados porque o pai era ‘O general’? Quantos generais há por aqui?
Talvez os sargentos enfermeiros continuem melhores do que os da administração. Espero.




O neurologista

Há quatro anos, (seria? Não sei mais.), minha cabeça estava estranha, formigamentos e com pontadas. O neurologista, com sobrenome famoso na cidade- não lembro o prenome- solicitou exame de ressonância magnética.
Ansiosa fui num sábado pegar o exame. No laudo dizia algo assim: Perda de massa encefálica precoce para a idade.
Fiquei aflita, triste, pensava o porque deste processo. Eu que me cuido tanto! Ironias da vida?
Com o resultado na mão fui levar para o médico de sobrenome famoso. Ele estava com um senhor na salinha com a porta aberta. Ansiosa  peço licença, digo bom dia e que trouxe o resultado do exame. Pergunto se há muitos pacientes à minha frente.
Ele disse que eu esperasse no corredor a minha vez, e que demoraria o quanto fosse preciso. Ainda não havia sala de espera confortável, esperávamos num corredor comprido e quente.
Sentei, um homem idoso olhou o meu envelope e disse:
- Estamos com envelopes iguais.
- É mesmo, fiz ressonância no mesmo lugar que o senhor.
- A senhora está marcada para que horas?
- Nove horas.
- Eu estou oito e meia.
- Estou sem pressa, ainda bem.
Neste momento o médico grita olhando para mim:
- Pare de reclamar! Estou fazendo meu trabalho.
Disse mais coisas que não lembro.
- Eu não estou reclamando, estou falando com o senhor aqui.
Tentei me defender.
Ele vem até a porta irado e diz:
- A senhora espere sua vez! Não fique reclamando.
Fecha a porta.
Me viro para as pessoas sentadas e digo:
_ Como vou ser atendida por este homem?
Me ignoram continuam conversando animados.
O senhor idoso diz:
- Ele é assim, mas é bom médico. É grosso mesmo.
Saio de fininho e chorando, encontro o clínico que me atende e me encaminha para sua sala.
Choro muito. Ele diz que eu posso dar queixa ao major. Quando me acalmo vou falar com o superior.
Ele é gentil, me oferece água, mas percebo que não fará nada- (o neurologista é o único do hospital)- apesar de dizer que já recebeu outras queixas e falaria com ele, que também não poderia estar atendendo com a porta aberta.

Lembro que na primeira vez em que fui o médico de sobrenome famoso, mal humorado, disse que fazia clínica ali, mas que era cirurgião e só havia ele nesta especialidade no hospital.
Não voltei nele, o major me autorizou a ir num outro fora dali. Não tinha referência. O médico era muito jovem e disse algumas coisas irrelevantes e me mandou fazer palavras cruzadas, exercitar o cérebro.

De férias no Rio consultei um especialista recomendado por meu ex professor de psicopatologia. Paguei uma consulta cara, mas valeu. Ele me tranquilizou e disse que a perda da massa encefálica provavelmente provinha da depressão.
Jorge Salomão, o ex professor e psiquiatra, me medicou. Não sinto mais esquisitices na cabeça, mas ainda choro, me firo facilmente.
Não gritem comigo, nem falem num tom agressivo, dói muito.



Aos sete anos


Na infância sofri abuso sexual e fui agredida verbalmente de forma feroz, análise nenhuma resolveu- e foram muitas- talvez por eu funcionar bem em tantos aspectos, este passado remoto passa despercebido. 

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