A coluna da semana passada tratava da maioridade penal. Eu disse
que sou a favor de considerar que, nos crimes mais graves (sobretudo contra a
pessoa), os jovens sejam responsáveis pelos seus atos.
A partir de que idade? Talvez um juiz ou uma corte especial possam
decidir, em cada circunstância, quando um jovem deve ser julgado como adulto ou
não.
A coluna suscitou um grande número de comentários, pelos quais
agradeço e aos quais não terei como responder individualmente. Tento resumir
algumas objeções, organizando-as em quatro eixos:
1) A redução da maioridade penal não vai resolver o problema da
violência.
Concordo: em geral, a severidade das penas não produz o efeito
mágico de estancar a violência e o crime. Em compensação, a impunidade, ela
sim, autoriza o crime e seu crescimento. Mas tanto faz: o que importa é que a
violência criminosa baixa quando sobem não tanto as penas quanto a inclusão
social e o sentimento de pertencermos todos a uma mesma comunidade de destino.
Desse ponto de vista, no máximo, a redução da maioridade penal
faria que menos adolescentes fossem arregimentados pelo tráfico --mas nem isso
é uma certeza.
2) Então, para que serve a proposta de reduzir a maioridade penal?
A Justiça e o sistema penitenciário sonham em amedrontar e
dissuadir do crime. Também eles sonham com a reabilitação dos criminosos
condenados. Agora, mais prosaicamente, eles têm a tarefa (menos gloriosa) de
punir os criminosos de forma que a sociedade se sinta vingada e que, portanto,
as vítimas não inaugurem ciclos de vendetas privadas.
A questão da maioridade penal se coloca relativamente a essa
última tarefa da Justiça: podemos e devemos punir os jovens da mesma forma que
os adultos?
3) Sobretudo, no caso dos jovens, não deveríamos querer que eles
sejam reabilitados em vez de punidos? Para que encarcerar os jovens se sabemos
que a detenção será uma escola do crime e não um lugar onde seria preparada sua
reinserção social?
O sistema penitenciário moderno é paradoxal: nele, tanto para os
jovens quanto para os adultos, a vontade de punir coexiste e rivaliza com a
vontade de reeducar. Esse conflito de intenções talvez não seja uma falha, mas
a propriedade essencial do sistema.
Nota: à vista do fracasso crônico de reabilitação e reinserção é
possível pensar que a intenção de reeducar seja sobretudo o álibi necessário de
uma punição que se envergonha de si mesma. Ou seja, queremos reeducar (e nunca
conseguimos) porque nos envergonhamos de estarmos "ainda" punindo os
criminosos. Gostaria de ter o tempo de reler "Vigiar e Punir", de
Michel Foucault, pensando nisso.
4) A redução da maioridade penal significaria encher as cadeias de
crianças pobres.
Em Brasília, 16 anos atrás, cinco jovens de classe média
assassinaram barbaramente um índio, colocando fogo em seu corpo. Eles se
desculparam dizendo, aliás, que não sabiam que era um índio, achavam que fosse
um mendigo.
Graças a seu privilégio social, quatro desses jovens, condenados,
cumpriram sua pena estudando e trabalhando fora da prisão. O quinto, que tinha
17 anos na época, ficou três meses num centro de reabilitação e só. Eu acho que
ele deveria ter sido julgado como adulto.
Mais uma coisa. A coluna da semana passada queria abordar um
problema mais amplo do que a simples maioridade penal. Explico.
Uma das grandes novidades de nossa cultura é que ela promove a
obrigação de cada um responder por suas ações. Talvez por isso mesmo, para
descansarmos um pouco de tamanho encargo, um dos grandes sonhos contemporâneos
seja a irresponsabilidade.
É assim que nos tornamos mestres nas explicações que valem como
desculpas.
Os assassinos de Brasília passearam demais pelos shoppings da
capital e foram mimados pelos pais, e o assassino de Victor Hugo Deppman talvez
tenha crescido em algum tipo de favela. Sempre há um trauma, um abuso passado,
que "explica" e que serve para transferir a culpa.
Ao mesmo tempo, somos uma cultura "infantólatra", ou
seja, que idealiza e venera as crianças como crianças. Ou seja, amamos vê-las
sem nenhum dos pesos que castigam a vida adulta.
No sonho de irresponsabilidade que mencionei antes, esses dois
traços de nossa cultura se combinam assim: 1) as crianças são todas querubins
irresponsáveis e 2) a história da nossa infância nos torna irresponsáveis
quando adultos. Que maravilha.
25/04/2013
Da Folha de São Paulo.
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