Livro busca decifrar enigma João Gilberto
Edição comemorativa traz entrevistas, depoimentos e ensaios sobre o cantor, que completa 81 anos no domingo Organizador e editores buscaram deixar em segundo plano o folclore em torno do criador da bossa nova
EDITOR DA “ILUSTRÍSSIMA” Depois do anticlímax de ter a turnê de seu aniversário de 80 anos cancelada no ano passado, João Gilberto completa 81 no próximo domingo debaixo de um holofote que pode ajudar a compreender por que, afinal, tanta gente o considera um gênio. Misto de fortuna crítica e homenagem, o livro "João Gilberto", que a Cosac Naify lança nesta semana, tem tudo para se tornar um marco, como "O Balanço da Bossa" (1968), de Augusto de Campos, ou "Chega de Saudade" (1990), de Ruy Castro. Organizado por Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, sob coordenação dos editores Milton Ohata e Augusto Massi, o livro pretende reunir tudo o que já se escreveu de importante sobre João e que estava fora de circulação. Jornalistas, musicólogos, músicos e pesquisadores foram mobilizados para mostrar diferentes ângulos da arte de João, sua recepção na França, na Itália, no Japão, suas conexões com a arquitetura e a literatura. Lá estão as primeiras entrevistas e perfis dos anos 1950, as resenhas feitas no calor da hora, os depoimentos de músicos e parceiros e uma empolgada convocação do cronista Antonio Maria para que o leitor fosse ouvir o baiano em sua companhia, numa boate em Copacabana. "Este é um livro a favor", explica Ohata. E ser a favor, aqui, significa pôr em segundo plano o anedotário que aderiu à figura de João. Esqueça o homem que fez o gato se suicidar, que fala no telefone por código Morse, que só sabe reclamar do som e do ar-condicionado etc. Não por acaso, há no livro uma seção chamada "Antianedotário". "É uma grande bobagem reduzir João ao anedotário", disse Garcia à Folha. "Espero que o livro ajude a desmitificar muito do que se fala de João Gilberto." Na busca por essa "desmitificação", Garcia foi atrás de Aderbal Duarte, músico e professor baiano que conseguiu demonstrar como se dá, na pauta musical, a famosa batida criada por João. Outra "aventura" foi localizar, em Manhattan, o baterista Sonny Carr, que atuou no cultuado disco branco de 1973 e que muitos acreditavam não passar de pseudônimo. ENSAIO Embora também traga reportagens e depoimentos, além de fotos inéditas (veja uma delas acima), a tônica do livro é o ensaio. O melhor exemplo de tentativa de apreender criticamente a obra de João e tratá-la como uma questão intelectual é um texto de 1992, talvez o mais citado ensaio sobre o cantor. No curto e brilhante "João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova", o musicólogo Lorenzo Mammì demonstra como João simbolizou uma geração que apresenta "seu mais rigoroso trabalho como um lazer, como o resultado ocasional de uma conversa de fim de noite". Nem tudo, porém, está no holofote da Cosac Naify. Sobram EUA, Europa e Japão, mas falta esquadrinhar sua passagem pelo México, onde gravou um de seus discos mais importantes. Falta também uma análise mais densa de sua parca produção como compositor. Dissecar o mito, no entanto, nem sempre escapa ao tom de "vida de santo" tão comum nos textos sobre o baiano. Que o diga o produtor japonês Shigeki Miyata, que em seu "O Cotidiano de um Deus" relata em êxtase um telefonema de João, numa abstrusa mistura de português e inglês: "Sentia como se tivesse ouvido uma linda música durante minutos". Como escreve Mammì, "a perfeição de João Gilberto [...] carrega objetivamente os estigmas da obsessão". Ou, como resumiu o amigo e parceiro Vinicius de Moraes, em 1964: "Eu sei que dentro da sua neurose, dentro da sua esquisitice, existe um lugar que ele rega diariamente com as lágrimas que chora por dentro. Um lugar que podemos chamar de Brasil, por exemplo".
JOÃO GILBERTO
ORGANIZADOR Walter GarciaEDITORA Cosac Naify QUANTO R$ 215 (512 págs.) Da Folha de São Paulo |
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