terça-feira, janeiro 25, 2011
Para Tom Jobim. Insensatez- arquivo
Insensatez*
"Venha, estou te esperando. Desça a Montenegro, entre na terceira, à direita. É um prédio antigo e pequeno no meio da quadra", disse ele.
Eu fui, como sempre. Obedeço aos homens.
Tinha pressa. As mãos suavam ao descer do ônibus no ponto indicado.
Lembro de um sonho em que deslizo pela Rua Prudente de Moraes deserta, desejando alar ao seu encontro.
Na esquina, um bar, mais à frente duas vilas. Adoraria morar no bucolismo de um espaço silencioso, com flores nos jardins. Com este olhar, me deparei com a vila ao lado do prédio dele.
Anoitecia.
Bati à porta, alguém tocava violão, abafando meus toques. Repeti as batidas com mais força. O som do violão cessou. Ruídos de cadeiras e vozes. Ele abre a porta no momento em que eu inspirei fundo, aflita, pensava o que fazer se não me ouvissem.
Havia homens espalhados pela sala, alguns no chão em almofadas, eu era a única mulher. Um deles me olhou com certo desdém, por pouco não me sinto intrusa, apenas porque os olhos dele me observavam e sorriam.
Minutos depois ficamos a sós entre copos e cigarros espalhados sobre o piano, chão, janela. A pequena sala, que dava para a frente do prédio, rescendia a cigarros. Comecei a juntar copos e cinzeiros. "Deixe, depois eu limpo", ele disse. "Limpamos agora, é melhor", respondi.
Eu precisava arranjar coisas para fazer. Não queria que ele percebesse minhas mãos frias e úmidas. Queria mais tempo para me acostumar à idéia de estar ali.
Na pia cheia de copos, garrafas vazias, um gato cinza de olhos azuis muito claros tentava subir.
Ele veio por trás e beijou minha nuca. Me desvencilhei caminhando em direção à janela. "Veja o Cristo, dá para vê-lo, não sei até quando..."
Eu senti seu hálito de álcool e cigarro. Aquele cheiro me excitava.
Segurou meu rosto entre as mãos em taça, beijou meus lábios sorvendo meus mistérios (ou me sorvendo?). De olhos fechados eu adivinhava o rosto que amei no primeiro encontro. Abri os olhos para conferir. Seus braços me envolviam. Aos poucos fomos nos afastando da janela. Debruçando-se sobre mim, deitou-me no sofá, abrindo, com dedos ágeis, caminho para a minha entrega plena.
Um dia ele viajou, precisava ir a trabalho, disse. Não voltou. Eu chorava desolada. Enviei uma carta, por um amigo comum, onde dizia:
“Desde sua partida minha vida é só tristeza e melancolia. Não sei viver assim. Volte”.
Meses depois recebo um telefonema. Era Vinícius, dizia que tinha algo para mim. Fui até lá e ele me cantou, jamais esquecerei, esta música, como um recado do Tom:
“Chega de saudade
... Não quero mais esse negócio de você longe de mim,
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim"...
Ele voltou, anos depois. Soube pelos jornais.
* Este conto eu fiz para um concurso intitulado Bossa Nova do Estadão. Era preciso ter a frase de 'Chega de saudade'. Selecionaram vários, não lembro quantos. Não peguei nem resfriado, aliás... nunca pego resfriado hihihi
Acho que ficou muito carioca. Eu gosto, me sinto nos braços de Tom, nunca é demais sonhar.
E, pra quem não sabe, eu quase fui sua vizinha, morei no 97, Nascimento Silva, ele no 107, mas em 1970, quando fui para lá ele já vivia fora- nos States, acho. Eu amava o Tom. Ainda amo, pra mim não morreu, apenas partiu.
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3 comentários:
Oi Laura!!!Nossa que injustiça...eu gostei muito!!!
Como diria uma pessoa que conheci:O mundo não é justo!!!
Também gosto muito do Tom Jobim...ele certamente tornou-se imortal...viverá em suas obras e em nossos corações!!!Linda Lembrança...Beijos!!!
amei.
Amei
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