segunda-feira, novembro 29, 2010

Eu e o Rio




Vou contar para vocês sobre o meu Rio, um pouquinho, senão fico horas aqui e estou com dor de cabeça e não interessa a todos, claro.

Fui para a cidade do Rio em 70, antes morava em Cabo Frio, e menina, em Curitiba. Nasci por acaso no RS, meu pai foi servir lá.

Bom, eu já conhecia o Rio de passagem- a cidade mais linda que conheço- pode ser que existam outras cem, mas eu só conheço algumas. O carioca, tido como o malandro, o bom de papo, foi o povo que melhor me acolheu. Cheguei lá sem parentes, alguns amigos, que conheci em Cabo Frio- claro que entre eles estava uma das pessoas mais importantes da minha vida, o Carlinhos, já falei dele antes aqui, várias vezes- outro amor impossível- este porque era gay- dizia: “Se um dia me casar será com você”. Era um gaúcho lindo e charmosíssimo, além de bon-vivant- vivia de rendas- Fazenda.

Eu morava em Ipanema- que é, ainda, uma república- usava o orelhão da padaria da esquina, conhecia os comerciantes todos do pedaço, os jornaleiros- comprava fiado em alguns lugares. Quando fui em 2007, fui cumprimentar vários deles- parecia que havia passado apenas uns meses fora. Desde seu Antonio, do Bofetada, até o dono, esqueci o nome... do Via Farme (era um restaurante muito bom e preço bom, além da varanda deliciosa- ainda existe, acho). Meu ex, boêmio, me levou a a conhecer botequins- não é o que eu mais gosto- são barulhentos.

Naquela época começaram a surgir nas ruas meninos vagando- um deles eu vi crescer, depois sumiu. Há um morro ali próximo- Pavão-Pavãozinho, havia um CIEP na época do Brizola que funcionava – num lugar lindo, privilegiado- tem vista para a Lagoa e mar. Depois não sei o que aconteceu- desativaram. Antes do CIEP foi um Clube depois um restaurante. Havia alguns “malucos” no bairro. A Maria, uma negra baixinha, que não podia me ver, vinha me cumprimentar, esticava a mão para mim. Eu sempre lhe dava um trocadinho- não sei o que fazia- não bebia de cair- acho que era maluquinha, mesmo. Um outra dormia na entrada dos prédios quando estava alcoolizada... Esta tinha um filho- foi este que vi crescer. Havia a lenda de que ela tinha dinheiro, mas gostava da rua. Nesta época, ficávamos em frente ao prédio até dar sono- recostados em carros, ou dentro, batendo papo- dando voltas pela Lagoa. A gasolina não era cara. E não havia perigo algum.

Os meninos cresceram, sumiram, outros vieram, às vezes em bandos, com paus nas mãos. Nunca me perturbaram- aprendi que assustavam quem tinha medo. Me chamavam de tia: “Tia me dá um troco ai?” Eu tinha um certo receio dos maiores que chegavam e diziam: “Madame, me dá...” Sempre respondia: “Não sou madame... pegue aqui”.

Um parêntese: nunca fui madame, para vocês terem uma idéia, hoje acordei cedo para tomar café como filho que faz vestibular, já molhei jardim, lavei roupas e as pendurei num sol de lascar, vou fazer almoço daqui a pouco- aqui não tem horário de verão. Mais tarde varro casa, passo pano, tiro roupas do varal, molho jardim- a grama. E assim vou, amanhã tem consultório- amo psicanálise, vocês sabem.

Ficavam feito abelhas cercando nas lojas de sucos- o que é constrangedor- ali eu dava um lanche. Eu só andava a pé- trabalhava a cinco minutos de casa- fazia tudo por ali- tenho saudades disto- aqui preciso andar de carro até para ir à praia.

Estes dias está havendo uma guerra contra o tráfico no Rio. Dói ver o Rio em imagens tão tristes, mas, ao mesmo tempo, dá alívio em pensar que é a primeira vez que há uma reação inteligente e forte contra traficantes. Eu sempre ouvi a frase: “O governo não pode fazer nada, são mais armados que a polícia” Mas não são mais armados que as Forças Armadas. Antes, me parece, as Forças Armadas se negavam a usar sua força. Desta vez o tráfico deu um tiro no pé. Ao colocar fogo nas ruas, pediu um basta. Uma das razões de eu ter vindo para cá era o incomodo que sentiu quando ouvia tiros no Morro- era distante, mas ouvia e ninguém se importava. No dia seguinte perguntava se ouviram de madrugada, diziam que sim, mas era no morro... era para avisar que a droga chegou. Bom, agora foi diferente.

Vocês sabem que sou tuiteira- gosto do Twitter, gosto de saber o que acontece, trocar idéias- lá é bom para isso. Tenho vários‘amigos’ lá, alguns serão amigos para sempre como fiz aqui, outros de uma temporada, não importa. Tenho uma ex ‘amiga’(no passado porque se aborreceu comigo com uma besteira, ou outra coisa, nunca soube) que ontem disse lá: “Sabe o filme “A classe operária vai ao paraíso”? esta situação no Rio parece a classe média indo ao paraíso como se o Rio estivesse limpo kakakaka.

Tai uma coisa que eu não tolero, ironizar sobre a dor dos outros. O Rio de Janeiro sofre, o Rio está em guerra, muitos estão com risco de vida, dos dois lados. Não há o lado do BEM e o lado do MAL- são todos homens, mulheres, mães, pais, filhos, vizinhos- gente como a gente, apenas menos favorecidos. Por que o deboche? Em seguida ela diz, ou antes, que pegou o bonde andando. Não é isso, conheço a figura, adora ironizar sobre cariocas, adora colocar nordestinos X cariocas, é uma estupidez, apenas acirra rancores. Vivi no Rio, zona sul, trinta anos. Todos os porteiros eram daqui do nordeste- todos muito queridos, não vi, nem conheço, nenhuma história de preconceito contra eles. OK. São os porteiros. Mas, não só porteiros, minha melhor amiga- difícil dizer isso “melhor amiga”, mas foi a que mais me acolheu- a mãe eu queria ter tido- eu digo para ela, ela retruca: “E você a filha que gostaria de ter”- é uma paraense maravilhosa, mais velha que eu vários anos e uma mulher admirável- eu a amo. Figura queridíssima na SPYD, sociedade de psicanálise onde estudei e participei mais de dez anos- como eu trabalhava no mesmo prédio convivi com Cinézia muito- nunca me desapontou. Os membros mais importantes da sociedade de psicanálise mais interessante de lá, para mim, hoje, são nordestinos.

Agora, me digam: por que esta rixa com cariocas? Por quê? Queria entender. Inveja? Somos- Ah! Eu sei que não sou carioca da gema, mas sou por opção, por adoção- e lá, ninguém diz diante de uma crítica ao Rio- há muitas- por que veio morar aqui? Nunca ouvi isto. O carioca é acolhedor e solidário. Quem torce contra o Rio vai ter que torcer o rabo, como a porca.

Vamos mandar energias boas para lá- para todos os cariocas e moradores- muitos nordestinos que se consideram hoje tão cariocas quanto eu- somos um povo só. Preconceito? Existe, sim, mas são os babacas arrogantes que têm, como são os babacas arrogantes daqui que têm contra o carioca, os estrangeiros- gente de má índole. Para mim pessoas xenófobas são asquerosas.

Namastê.

Fui. Até outro dia, desculpem o desabafo. Desculpem a pressa, há coisas para fazer.
Não fiz revisão, deve ter erros, podem apontar- agradecerei. Escrevi agora na pressa para fazer catarse, mesmo.
Leiam os posts anteriores e vejam que gente fantástica.

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