quarta-feira, junho 16, 2010

Mini conto: O homem do prédio


O homem do prédio


Na saída do prédio, vacilei. Chovia, chuva fina. Decidi abrir o guarda-chuva.

- Quer ajuda?

Recusei, mas ele me acompanhou até o ponto de ônibus. Olhei de esgueira, era magro, alto, branco. O rosto amassado, como se tivesse recém acordado.

Àquela hora as conduções passavam cheias e eu queria sair logo dali.

Ele se aproximou e disse num sussurro: Há dias a vejo e desejo falar consigo.

Entrei no primeiro ônibus que parou. Espremida entre as pessoas, o coração disparado.

Não havia onde sentar. Aliviada vi que ele não estava ao redor.

Teria visto antes aquele homem? Lembraria se tivesse estado no elevador com ele: a calvície e o rosto com rugas acentuadas, eu jamais esqueceria.

No dia seguinte, lá estava ele a me esperar. Eu disse: “Obrigada, mas não precisa...”. Não chovia. Ele quis carregar minha pasta de papeis. Recusei.

Foram semanas seguidas a insistir.

Um dia me disse: “Saia comigo, desejo lhe tocar. Tem uma boca irresistível”.

Sai correndo. Ele ficou para trás.

Pedi para meu filho vir pegar-me no dia seguinte. Ele se atrasou uns minutos, eu esperei no hall do prédio. O homem estava à porta. Tive medo. O filho chegou, me deu o braço, e saímos.

E o homem? Escreveu um bilhete furioso para mim. O porteiro, que já sabia o que acontecia, entregou-me. Chamava-me de arrogante, frustrada, entre outras coisas. Ele não olha mais para mim. Sai de braço dado com outra mulher- somos vizinhas de sala, trabalhamos no mesmo corredor. E também é secretária.

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