sábado, agosto 29, 2009

Um desenho meu e Drummond- Arquivo

Um casal.Desenho meu. Posted by Picasa



Um dia o Drummond disse que meus desenhos eram maravilhosos, (exagero dele), e que eu poderia fazer ilustração dos seus poemas eróticos. Fiquei feliz, lógico, mas não tinha coragem de perguntar pelo livro. Um dia perguntei, ele respondeu que não faria senão diriam que era um velhinho tarado. Eu não perguntei mais, nem autógrafo eu não pedia, tinha vergonha.
Um dia eu disse: "Comprei sua 'Obra Completa'".
Ele respondeu: "Por que foi fazer isto? você me superestima..."
Quem tem amigos famosos sabe o que eu digo, é delicado, detesto parecer oportunista, no caso do poeta, eu pensava que ele poderia achar que eu queria me garantir antes que ele morresse. É muito chato isto. Eu tenho dedicatórias dele, espontâneas, ele me deu os livros e escreveu. Uma delas é linda demais:

"Quanta ternura cabe em um abraço?
Receba o meu e conte."

Quem já leu os outros posts sabe, eu já falei disto aqui.
É demais, não? Tenho uma cartinha dele e um bilhete. Um dia coloco aqui, não quero me expor mais ainda, ele fala sobre amor.




Quero

Drummond

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que
[me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,

a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,

amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas
[de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.



A língua lambe


Drummond

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,

a licorina gruta cabeluda,
e quando mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gemidos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.


A carne é triste depois da felação

Drummond

A carne é triste depois da felação
Depois do sessenta-e-nove a carne é triste.
É areia, o prazer? Não há mais nada
Após esse tremor? Só esperar
Outra convulsão, outro prazer
tão fundo na aparência mas tão raso
na eletricidade do minuto?
Já dilui o orgasmo na lembrança
E gosma
escorre lentamente de tua vida

Um comentário:

aninha disse...

essa parte é linda:

"amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
(...)"