Faziam, há dias, o trajeto em silêncio. Ela sabia que dissera algo que o tocou profundamente e feriu. Caminha e tenta lembrar dos dias anteriores, o que sentiu, o que disse. Tantas coisas... Viveu num turbilhão. Sentia-se 'enlouquecida', louca de amor por ele. Como ele recusava este amor tão pleno? Ela se perguntava, e tentava, sem saber, que ele lhe dissesse que também a amava. Ele calara. Sabe que nada o tira do silêncio, é preciso saber esperar.
Há dias caminhavam pelas mesmas ruas de sempre. Ela o espera desde que se conheceram, numa esquina. Ele vem de algumas quadras adiante.
O primeiro encontro foi ao acaso, ela tropeçou, derrubou livros e papéis, ele estava próximo, veio ajudá-la. Caminharam então na mesma direção.
- São cartas?
- Sim, estou compilando algumas de escritores famosos para um livro.
- Interessante...
O resto do trajeto foi em silêncio, quebrado por ela quando se aproximava de sua casa:
- Moro neste prédio. Você mora aqui perto?
- Sim.
Despediram-se com um aperto de mão.
Ela não dormiu naquela noite, acreditou que algo novo iria acontecer na sua vida vazia. Aconteceu.
À noite jogou as cartas do 'Tarot' que guardava há anos numa gaveta: "O enforcado", "O ermitão", "A estrela". Tirou mais uma vez: "A força".
Sabia que iria sofrer por este amor.
No dia seguinte saiu na mesma hora, sonhava encontrá-lo. Viu quando ele se aproximou buscando por ela na esquina. Cumprimentaram-se sem aperto de mão, nada. Caminharam em silêncio. Quando chegavam perto do seu prédio, ele disse:
-O que você faz aos sábados?
Nada que fizesse teria importância agora, estaria livre para ele, ela pensou.
Encontravam-se aos sábados à tarde na casa dela. Ele tinha mulher e dois filhos. Depois de três anos, ela mal sabe da vida dele, ele não conta, nem ela quer saber. Espera uma mágica, que um dia ele não vá embora e fique para dormir.
Agora caminha com ele ao lado. Conhece e ama aquele corpo melhor do que o dela, adivinha cada traço. Deseja tocá-lo. Caminha quase roçando nele, que não se afasta, mas também não a toca.
Há dois sábados ele não vem. Inventa desculpas esfarrapadas, ela sabe. É difícil esperar. Esperar que ele volte a desejá-la.
Ele, de repente, olhou para o céu e disse:
-Olhe, veja os pássaros! Que lindos! Formam um V!
- São lindos. Há anos não via pássaros juntos assim...
Olharam-se e riram.
Ela sabia que neste sábado ele não daria nenhuma desculpa. Sabe que ao sentir o corpo dele, solto e pesado, sobre ela, como gosta, uma lágrima brotará. Ele não perceberá, não importa, é melhor assim. Quer que a veja apenas sorrindo. E estará sorrindo nos próximos dias.
Foto daqui
2 comentários:
Belo, Laura, com os pássaros servindo de contraponto ao encontro e aos sentimentos, expresso nos gestos dos dois.
Laura: pássaros soltos...entra as nuvens dos sentimentos!
Abraços carinhosos para vc querida.
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