quinta-feira, dezembro 04, 2008

Os bóias frias...




O peão I


Da varanda, onde lia, observa furtivamente o homem a barbear-se no pequeno espelho. Ele se vira, olha para o alto, pressentindo uma presença. Ela se esconde. Sente vergonha do seu conforto.



O peão II

A mãe veio conhecer a casa. Preparou lanche farto. Ofereceu chá inglês. Ela, nada quis. Recusou todas as ofertas.
Ao final da tarde, foi deixá-la na própria casa.... Voltou, abriu a porta, pousou demoradamente os olhos sobre cada canto, sentou à mesa, serviu-se de chá, comeu uma fatia de bolo, algumas torradas, e chorou. As lágrimas vertiam. Tantas perdas este ano. A mãe é apenas mais uma.
No dia seguinte, acordou cedo, chamou o vigia da obra e lhe ofereceu o bolo, antes que ressecasse.



O peão III

Ouço os operários da obra chamarem alguém de pai. Curiosa, pergunto ao menino que molha o jardim:
- Quem é que vocês chamam pai?
- O velho, o ferreiro.
Vejo a imagem do homem encurvado sobre os ferros na rua em frente. Usa chapéu de abas largas, diferente dos outros que usam apenas capacetes ou bonés. Veste calças surradas. A empresa fornece o jaleco, mas não a calça.
Este, o pai, nunca me olhou, apesar de passar boa parte do dia em frente à minha casa.
É o único que não responde os cumprimentos, simplesmente me ignora.
O velho deve ser tímido, ou nem quer saber da madame.

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