quarta-feira, julho 23, 2008

Carta de Paris

Este post eu copiei de uma moça. Copiei daqui.



Copiei daqui, achei ao acaso:

“Il y a toujours
quelque chose d’absente
qui me tourmente.”

Camille Claudel para Rodin



A Maria Adelaide Amaral

Saint-Nazaire 10.11.92


Levíssima, minha flor luso-tropical,

Encontrei na catedral de Nantes - das mais belas que já vi, do século XIV - esta oração que me lembrou imediatamente você. Aí vai, com carinho. Quando a rezar, peça também por mim, que vim dar com os costados na Bretagne. Fiquei dez dias em Paris (trés-decadent, cheia de bêbados, imigrados, refugiados) e vim para cá. Tenho uma bolsa até 31 de dezembro nesta “Maison des Écrivains Étrangers”. Me deram um ap. enorme, com três quartos, vista para o mar, todo montado (como uma “mulher a dias” - a faxineira portuguesa - duas vezes por semana) e várias mordomias. Teatros, cinemas, táxis, tudo de graça. Minha única obrigação é, quando sair, deixar um texto que será publicado pela Arcane XVII, a editora da Maison.
Por aqui já passaram Ricardo Piglia, que deixou um texto lindo, Goytisolo, Reinaldo Arenas (ficou três dias - tinha medo de jogar-se pela janela, um 10º andar - e acabou mesmo fazendo isso, seis meses depois em New York), mais dinamarqueses, africanos, para nós desconhecidos. Atualmente, a outra bolsista é uma dramaturga tcheca, de Praga, encantadora, chamada Daniella - sobrenome incompreensível. É astróloga e membro de uma sociedade chamada “Amigos de Kafka”. Semana que vem chegam três escritores do Báltico - Lituânia, Estônia e Letônia - de nomes impronunciáveis.
Enfim, estou sendo muitíssimo bem tratado. Os vinhos rouge são os melhores do mundo, é a região de Bordeaux, e - Murilo me conhece - tenho tentado não abusar de todos aqueles armagnacs e calvados e remy-martins que um dia acabarão comigo...
É lindo e perturbador.
Por trás de tudo, claro, há aquela delicada hipocrisia primeiro-mundista, querendo dar uma forcinha aos pobres-artistas-latino-americanos-meio-morto-de-fome. Latino americanos só, as nordestinas da Europa agora são do Leste. Passei por algumas saias-justas, perguntando num jantar com o prefeito por que - se os franceses são tão solidários com o sofrimento humano - ninguém faz absolutamente nada para ajudar a Iugoslávia, que fica a 500 km daqui. E ontem Israel proibiu a entrada no país de portadores de HIV. Há um horror pairando no ar no planeta todo.
Conflitos sociais à parte, acho que estou até feliz.
Daqui vou para Amsterdam, para leituras e palestras, em janeiro. Em fevereiro volto ao Brasil, e em junho tenho que estar na Alemanha para a Interlit, o Congresso Internacional de Escritores do III Mundo. Tudo muito internacional, e tenho sempre medo, e o meu coração é sempre e cada vez mais jeca, graças a deus. Tenho rezado muito.
E comecei a tentar a escrever quelque chose que ainda não sei bem o que é. Seja o que for, gira em torno dessa carta a Camille Claudel, numa carta a Rodin que me obceca há anos:
“Il y a toujours
quelque chose d’absente
qui me tourmente.”
Mas te escrevo também para exigir o seguinte:
A senhora vai mandar exemplares de Luíza e Aos meus amigos a essas duas pessoas: Claire Cayron e Ane Morvan.
Claire é a minha tradutora aqui, traduziu os contos de Dragons e Dulce Veigá: Annie é editora da parte latino-americana da Seuil (a segunda da França depois da Gallimard), morou no Uruguai, foi amiga de Nara Leão. Claire foi amiga íntima de Simone de Beauvoir, tem mais de 500 cartas, inéditas. Ambas adoram o Brasil, falei de você, muito, e tenho a intuição de que pode dar certo.
Mande mesmo. Conselho de amigo: não peça às editoras (são pão-duras, especialmente a Siciliano, não mandam nada), mande você mesma. É um pouco caro, but... vale a pena.

Não sei absolutamente nada do Brasil neste tempo. Amaria receber notícias. Se alguém perguntar por mim, dê as melhores - serão verdadeiras, apesar de, como estrangeiro, estar sempre meio bleeding.
Te beijo com carinho.
Abraços em Murilo, Guilherme e Rodrigo. Espero que sua mãe esteja bem de saúde.
Me perdoe a distância, no Brasil. Acho que sou melhor por carta, e em São Paulo passei o último ano às voltas com mil problemas - dinheiro, amigos, e pais doentes, aulas - enfiado em casa.
Dê notícias minhas a Pedro Paulo, escrevo logo a ele. E a Bel aussi. Kisses.

Caio F.

P.S.: o que mais sinto falta é de Deus nos Acuda! Todo mundo comenta até hoje as cenas de abertura que passaram na tv francesa na época do impeachment.
Mande o novo livro para mim também. Quero vê-lo impresso. E darei uma opinião melhor. Provas são massacrantes.

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