segunda-feira, março 31, 2008

O Rio de Janeiro não é um burgo podre






O Rio de Janeiro não é um burgo podre



Elio Gaspari

A candidatura de Fernando Gabeira à prefeitura do Rio de Janeiro será um sopro de inteligência na campanha eleitoral de uma cidade que parece entregue a um condomínio de caciques, comendadores e poderosos chefões. Na ponta do lápis, suas chances são pequenas, menores que as de Barack Obama em fevereiro do ano passado.
Desprezando o pedaço de sua biografia que ficou no século passado, vale relembrar que Gabeira mandou o PT passear em outubro de 2003. Naquela época, os poderosos da República veneravam a trindade de comissários do “núcleo duro” do governo: José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken. (O primeiro registro digno de fé da existência de um sistema de mesadas no Congresso é de fevereiro do ano seguinte. O termo mensalão só aparece em setembro).
Aos 67 anos, o deputado do PV entra em mais uma briga, carregando nas costas a mochila da decência. Há candidatos em quem se vota para ganhar e há aqueles com quem se vai na certeza da derrota. Lula em 1994 e 1998 foi um exemplo desse paradoxo da democracia. Gabeira parece ter essa qualidade. É melhor perder com ele do que ganhar com alguns de seus concorrentes.

Em 1973, opondo-se à fusão dos estados do Rio e da Guanabara, que continha a valorosa cidade de São Sebastião, o economista Eugenio Gudin escreveu um memorável artigo intitulado “A Guanabara não é um burgo podre”. Quase meio século depois, grande parte do poder político da cidade se concentrou nas mãos de oligarcas e chefões.


Gente estranha, que se elege coligando-se com o inimigo a quem chamou de ladrão ontem e chamará novamente amanhã. Politicamente, o Rio de Janeiro nunca esteve tão perto de virar um burgo podre.
Nunca é demais lembrar que foi Nosso Guia, associado ao comissário José Dirceu, quem permitiu o aparecimento da dinastia dos Garotinho e de seus derivados. Em 1998, a dupla interveio no PT do Rio de Janeiro e detonou a candidatura de Vladimir Palmeira ao governo do estado. Só o tempo dirá se essa decisão pode ser comparada à chegada do mosquito da febre amarela ao porto da cidade.


A presença de Fernando Gabeira na eleição talvez não resulte na sua ida para a prefeitura, mas terá três efeitos, todos benéficos. No primeiro, melhorará o nível de decência da disputa. Mesmo que melhore pouco, isso já será alguma coisa. No segundo justificará a ida de pessoas para a rua, nem que sejam cinco. A idéia de ver alguém numa esquina agitando uma bandeira sem aquela cara de quem está esperando um lanche e R$50 já faz bem à alma. No terceiro, o mais relevante, trará uma voz que nunca se associou à demofobia que tomou conta da agenda político-social do burgo. Afinal, a Rocinha não é “uma fábrica de produzir marginal”. Se fosse, o Rio já teria acabado.


O carioca não vive numa cidade qualquer. Quando ele vem pela Avenida Rio Branco, passa pelo monumento a Floriano Peixoto, dobra e cruza com Deodoro da Fonseca e Getúlio Vargas. Quando chega à Siqueira Campos, vê o bronze (horrendo) dos 18 do Forte. Foi na sua cidade que aconteceram as coisas que fizeram a história daquelas pessoas. Era numa esquina de Ipanema que Tom Jobim e Vinicius de Moraes viam o mundo inteiro se encher de graça.


Elio Gaspari é jornalista.

Tks Betty.

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