sexta-feira, março 23, 2007

Mini conto. As pedrinhas transparentes




















As pedrinhas transparentes




Aos domingos, na praia, catava pedrinhas, escolhia as mais claras, preferia as transparentes, gosta de transparências.
Um dia um homem se abaixou e lhe deu uma pedrinha, seguiram assim catando pedrinhas. Acompanhou-a até sua porta, despediu-se com um ‘até domingo’. Ela sentiu algo diferente, algo novo, há muito não caminhava nem tinha contato com homens.
Esperou ansiosa o domingo, saiu antes da hora de sempre, logo da calçada viu o homem na beira mar, desta vez usava uma camiseta azul clara. Foi em sua direção, tímida, será que a reconheceria?
Ele foi cordial, logo seguiram caminhando e catando pedrinhas. Falavam pouco, ela desacostumada de falar, ele só dizia o essencial.
No terceiro domingo ele entrou em sua casa, ela havia preparado a casa, sabia o que iria acontecer.
Se amaram ali na sala, no chão sobre a colcha que cobria o sofá, ela desejou que o tempo parasse, desejou aquele homem na vida dela.
Enquanto ele se vestia para sair, pegou um copo de conhaque que o ex marido usava, colocou as mais belas pedrinhas dentro, sobre as pedrinhas um caramujo que encontrou há anos e que guardava, entregou a ele de presente, ele não disse obrigado, apenas olhou com olhos de quem admirava.
Quando se despediram ele disse: “Até mais”, não sabia bem o que ele queria dizer, mas não perguntou, intuiu algo ainda indefinido, sentiu-se estranha, talvez não devesse ter dado as pedrinhas. Mas e se ele voltasse mais tarde? Era domingo, poderiam sair, dar uma volta.
Nada sabia dele, nem onde morava ou o que fazia.
No domingo seguinte ele não estava na praia, pensou tantas coisas: poderia estar viajando, doente, viria mais tarde, quem sabe? Mas ele não veio, esperou até o pôr do sol, até sentir frio.
Os domingos passaram a ser sombrios, não havia mais graça na praia, já não o buscava mais entre outros rostos.

Não se importa mais com as pedrinhas, às vezes vê uma muito linda, pega, olha, mas devolve para o mar.


Ouça aqui "É doce morrer no mar" de Dorival Caymmi e Jorge Amado.

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