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As pedrinhas transparentes
Aos domingos, na praia, catava pedrinhas, escolhia as mais claras, preferia as transparentes, gosta de transparências.
Um dia um homem se abaixou e lhe deu uma pedrinha, seguiram assim catando pedrinhas. Acompanhou-a até sua porta, despediu-se com um ‘até domingo’. Ela sentiu algo diferente, algo novo, há muito não caminhava nem tinha contato com homens.
Esperou ansiosa o domingo, saiu antes da hora de sempre, logo da calçada viu o homem na beira mar, desta vez usava uma camiseta azul clara. Foi em sua direção, tímida, será que a reconheceria?
Ele foi cordial, logo seguiram caminhando e catando pedrinhas. Falavam pouco, ela desacostumada de falar, ele só dizia o essencial.
No terceiro domingo ele entrou em sua casa, ela havia preparado a casa, sabia o que iria acontecer.
Se amaram ali na sala, no chão sobre a colcha que cobria o sofá, ela desejou que o tempo parasse, desejou aquele homem na vida dela.
Enquanto ele se vestia para sair, pegou um copo de conhaque que o ex marido usava, colocou as mais belas pedrinhas dentro, sobre as pedrinhas um caramujo que encontrou há anos e que guardava, entregou a ele de presente, ele não disse obrigado, apenas olhou com olhos de quem admirava.
Quando se despediram ele disse: “Até mais”, não sabia bem o que ele queria dizer, mas não perguntou, intuiu algo ainda indefinido, sentiu-se estranha, talvez não devesse ter dado as pedrinhas. Mas e se ele voltasse mais tarde? Era domingo, poderiam sair, dar uma volta.
Nada sabia dele, nem onde morava ou o que fazia.
No domingo seguinte ele não estava na praia, pensou tantas coisas: poderia estar viajando, doente, viria mais tarde, quem sabe? Mas ele não veio, esperou até o pôr do sol, até sentir frio.
Os domingos passaram a ser sombrios, não havia mais graça na praia, já não o buscava mais entre outros rostos.
Não se importa mais com as pedrinhas, às vezes vê uma muito linda, pega, olha, mas devolve para o mar.
Ouça aqui "É doce morrer no mar" de Dorival Caymmi e Jorge Amado.
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