quinta-feira, agosto 31, 2006
Hoje é dia de Contardo.
O voto radical chique
Contardo Calligaris
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A escolha do candidato pode ser apenas uma questão de imagem do próprio eleitor
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NA ÚLTIMA pesquisa de opinião, Heloísa Helena é a candidata preferida por 20% dos eleitores com ensino superior (na população em geral, ela é escolhida por 10% dos entrevistados).
Talvez a decepção com os escândalos do governo seja maior entre os sujeitos supostamente mais informados. Além disso, os eleitores que apostam em modelos centralizados (taxa de juros e de câmbio decididas politicamente, questionamento das privatizações etc.) são provavelmente mais numerosos entre os "cultos" e "pensantes", que sempre tendem a confiar firme no poder das idéias que eles acham certas (doa a quem doer). Mas há uma parte (pequena, imagino) desses 20% que parece preferir Heloísa Helena por uma razão mais pitoresca.
Encontrei vários paulistanos, de classe A para cima (com graduação completa), que anunciam seu voto em Heloísa Helena sem conhecer o programa político e econômico da senadora e, certamente, sem simpatizar nem um pouco com seu moralismo em matéria de costumes.
Saindo de um jantar em que duas comensais declararam seu voto pela senadora, um amigo comentou: "É a esquerda-caviar".
A expressão "esquerda-caviar" foi lançada na França, na época de Mitterand, para estigmatizar os gostos luxuosos de intelectuais, altos funcionários e simpatizantes do governo socialista: "São socialistas e comem caviar?".
Ora, contam que, um dia, um jornalista perguntou a Léon Blum (primeiro-ministro socialista francês nos anos 30): "Como o senhor pode ser socialista, visto que, por sua origem e cultura, seus gostos são afastados dos gostos do povo?". Blum teria respondido: "Sou socialista porque não gosto do povo". Antídoto contra o populismo: não somos socialistas por acharmos que a comida a quilo seja a melhor do mundo, mas por querermos que todos possam degustar a cozinha de Alex Atala.
Mas o fenômeno "HH xodó dos Jardins" não evoca apenas a esquerda-caviar. Em 1970, em "Radical Chique" (um dos ensaios fundadores do "novo jornalismo"), Tom Wolfe descreveu uma festa organizada por Leonard Bernstein (o compositor e diretor de orquestra) para levantar fundos em favor dos revolucionários das Panteras Negras. Convidar Stokely Carmichael ou Angela Davis e manifestar-lhes apoio era, para a "inteligentsia" nova-iorquina da época, uma excentricidade elegante.
Na festa radical chique, revolucionários e extremistas têm uma vantagem sobre capas Prada, bolsas Louis Vuitton ou vestidos Armani: eles odeiam seus anfitriões. É óbvio que é radicalmente chique usar, como cachecol, um bicho vivo e venenoso.
A turma radical chique:
1) evita pensar em soluções efetivas para os problemas do país (nada de discursos, que são chatos e estragam a festa);
2) curte as experiências exclusivas ("Sabe quem estava na minha festa?") e cultiva uma imagem aventureira de si mesma (a presença do convidado revolucionário afirma que o anfitrião, contra todas as aparências, não é um integrado);
3) cultiva o autodesprezo para absolver-se de sua culpa social (no caso, nem preciso me odiar por ser integrado, pois meu convidado se encarrega disso). Na falta de Panteras Negras, a turma radical chique pode escolher candidatos intelectuais da pesada (melhor se forem ex-exilados). Fernando Henrique e José Serra, em outras épocas, poderiam ter sido xodós do radical chique brasileiro; ninguém leria seus livros, mas seria elegante tê-los numa festa, também porque, supostamente, eles desprezariam a futilidade de seus anfitriões. Sem dúvida, a turma radical chique gostava do Lula barbudo e escabelado do começo. Hoje, perdida a aparência de metalúrgico antiburguês, Lula não é mais chique.
Quanto a Alckmin, médio, invisível, animado por lugares comuns religiosos, ele é tudo o que o radical chique não quer ser ou avizinhar na vida.
Heloísa Helena é, hoje, a escolha perfeita. Ela odiaria servir de decoração na festa radical chique, mas, por isso mesmo, é a convidada ideal.
A turma radical chique deve ser eleitoralmente pouco significativa, mas ela nos lembra que, numa sociedade narcisista, a escolha do candidato é também uma questão de imagem. De imagem, quero dizer, do eleitor: alguns decidem seu voto como escolhem sua roupa.
PS. A edição mais recente do ensaio de Tom Wolfe está em "Radical Chique e o Novo Jornalismo", livro lançado em 2005, pela Cia. das Letras. O leitor também pode se divertir (bastante) com os quadrinhos de Miguel Paiva ("Livro do Pensamento da Radical Chic", Record).
PS: Ainda prefiro a Radical Chic do Miguel- o site está fora do ar, não achei. Laura
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