quinta-feira, julho 27, 2006

Hoje é dia de Contardo.













Foto Rene Burri
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Segurança, melancolia e inércia

Contardo Calligaris.

A visão melancólica do país e de nós mesmos nos torna inertes e um pouco covardes

NA FOLHA de 16 de julho, Marcelo Beraba, ombudsman do jornal, observou que a imprensa não soube se servir da crise paulista das últimas semanas para comparar e questionar as propostas de segurança pública dos candidatos ao governo do Estado e à Presidência. Talvez, segundo ele, a imprensa não dispusesse de "quadros com bons conhecimentos" na área.
Nestes dias, o "Observatório da Imprensa", de Alberto Dines, propôs uma pergunta aos internautas: "O combate à violência pode entrar na disputa eleitoral? Sim ou não?". A grande maioria (80%) optou pelo sim. Faz sentido: afinal, a segurança pública é uma preocupação crucial dos cidadãos.
Ora, no domingo passado, a Folha publicou uma comparação das opiniões sobre segurança pública de Serra, Mercadante e Quércia. A reportagem, de Lilian Christofoletti, tentava diferenciar as propostas, mas, à vista das respostas dos candidatos, a conclusão era que, em matéria de segurança pública, os três pensam de maneira parecida.
É lógico que seja assim. Há 15 anos, participo de encontros e congressos sobre segurança urbana. Escutei enfoques diferentes e discordâncias quanto à ordem das prioridades. Mas, no conjunto, chega-se, de qualquer modo, a uma lista com a qual todos concordam e que é mais que conhecida. A ponto que talvez o silêncio dos "experts" (do qual se queixa Beraba) seja, sobretudo, sinal de cansaço.
Hoje, em matéria de segurança pública, o problema não é inventar o que fazer. O problema é fazer o que sabemos que deve ser feito. A segurança pública não é (ou não é mais) um problema político. Os secretários de Segurança, estaduais e federais, não precisam mudar segundo as fortunas dos partidos; eles poderiam ser escolhidos por sua competência e mantidos no cargo como "técnicos", encarregados de implementar as medidas com as quais todos concordam. Por isso, aliás, na pesquisa do "Observatório", optei pelo "não".
Pergunta: se sabemos o que fazer, por que não acontece quase nada? Proponho mais uma explicação. A lista das ações necessárias para melhorar a segurança pública no país é sempre encabeçada por uma declaração geral do tipo: "A sociedade brasileira deveria se tornar menos desigual e, com isso, não produzir nem reproduzir exclusão social".
Não há quem discorde. Mas essa recomendação inaugural, fundamental e justa, regularmente lembrada quando é proposta uma ação concreta qualquer, acarreta consigo a sensação de um destino nefasto: injustiça e desigualdade são a herança que nos constitui, o nosso DNA. De repente, as outras recomendações da lista parecem esparadrapos cosméticos sobre uma ferida que não sara.
É um tipo de armadilha freqüente na nossa vida cotidiana: "Tenho 40 anos, não completei o colégio e não tenho futuro", "Tenho 60, e meu casamento de 30 anos está sem graça, agora é tarde", "Nasci no lugar e no momento errados", "Com os pais que eu tive, não adianta". Qualquer terapeuta sabe que, diante desses autodiagnósticos radicais, "totais", a primeira tarefa é a de decompor a massa amorfa do desespero até encontrar seus elementos e organizá-los no tempo e no espaço.
Na vida política não é diferente: uma visão global negativa desqualifica os esforços para mudar, que parecem fúteis esparadrapos. Somos fascinados pelas autodefinições (sobretudo pejorativas: "O Brasil é assim mesmo") e, com isso, preguiçosos na análise dos detalhes e na ação para alterá-los. Essa atitude melancólica exerce um forte charme, pois ela dá sentido aos nossos males e nos dispensa de pensar e agir: nossa dificuldade é inevitável, ela é nossa essência. A autodepreciação nos revela quem somos; ela nos resume e nos define. Com isso, ela também nos apazigua: por que lutar contra nosso "ser"? Melhor fazer de nossa vida um longo lamento.
À primeira vista, a queixa radical contra a história e o "espírito do povo" parece mais séria do que o trabalho de formiga de quem tenta alterar o que pode ser alterado. Mas a eterna reclamação de que "o buraco é muito mais em baixo" acaba nos tornando inertes e um pouco covardes.
PS. Boa notícia: vários leitores da coluna da semana retrasada me comunicaram que há duas (ótimas) naturezas-mortas de Morandi no MAC da USP, doações de Francisco Matarazzo e Yolanda Penteado.

PS2:O grifo é meu(Laura)
Contardo está certo, é mais fácil deixar como está, não lutar contra a "nossa essência", mais comodo, já conhecemos o caminho.
Vade retro! quero mudar, vou começar fazendo campanha para um político decente, além de otras cositas más na vida pessoal, que eu só conto depois que acontecerem, né?
Bom dia para vocês.




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