sábado, junho 24, 2006

O marido da vizinha I (Arquivo)


















O marido da vizinha I.

Dan foi deitar ontem à tarde, vou atrás dar um beijo e fechar as janelas.
Vejo a casa da vizinha, tão bem cuidada, tão perfeita, nunca havia visto uma casa tão bem tratada. Lembra muito a casa da cunhada de “ Mon oncle” de Jacques Tati, todos os dias eu lembro de Tati olhando da minha varanda os caminhos traçados no jardim, as plantas aparadas milimetricamente, a fonte na piscina recente.
- Coitada de vizinha, ficou viúva tão cedo...
- Por que está dizendo isto?
- Porque o marido dela morreu.
- Como você sabe que ele morreu?
- Porque eu sei, ele sumiu.
- Você é maluca, mãe, ele pode ter viajado.
- Eu sei, pode ter ido atrás de outra mulher, pode estar doente, na cama...mas ele morreu.
- Credo, mãe, você é doida mesmo, inventa cada coisa.
- Não estou inventando, o pobre do homem amava tanto esta casa, acabou de fazer a piscina e mal aproveitou, morreu.
- De onde você tirou isto, mãe? Esta tua maluquice?
- No dia do seu aniversário, eu acordei às sete horas, por ai, abri a varanda e em vez de ver o vizinho fumando um cigarrinho na varanda esperando o taxi, eu vi três carros na porta e gente andando na varanda nervosamente.
- Como você sabe que estavam nervosos?
- Ah, Dan, tinha um homem que se parecia com o vizinho que andava de lá para cá, parecia angustiado.
- Pensei primeiro que a casa talvez tivesse sido assaltada, Betânia quando chegou pensou na possibilidade de ter sido a mulher que morreu e não o homem, pensou em seqüestro, também, mas não havia carro da policia...
- Você fica vigiando a casa dos vizinhos, mãe, que feio...
- É impossível não ver, filho, é como no filme do Hitchcock. Lá pelas duas da tarde apareceu a mocinha na varanda ela nem conseguia andar direito- as pessoas da manhã já haviam ido embora- o namorado chega e ela chora abraçada com ele um tempão, mais tarde a mãe aparece, eu e Betânia ficamos aliviadas, não foi ela que morreu.
- E por que ficaram aliviadas se achavam que alguém tinha morrido?
- Sei lá, filho coisa de mulher, mulher torce por mulher.
- Pode ter sido um dos cachorros que morreu.
- Não, os cachorros estão lá. Pode ter sido um avô, mas foi o vizinho, vivia fumando, se eu pudesse tinha dito para ele parar de fumar.
- Continuo achando que você é doida, não sei como tem consultório e atende clientes, fica inventando coisas.
- Meu filho, no consultório eu imagino tudo que me contam, eu gosto, e é impossível não querer saber o que houve na casa da vizinha, está ali na minha cara todas às vezes que vou à varanda, não consigo não ver. E tem mais, eu gostava do vizinho só de ver, eu ficava namorando a casa com ele, não estou dizendo que paquerava o vizinho, viu? É da casa que eu gosto.
- Não sei porque, casa mais cafona, toda arrumadinha.
- É o que ela representa, filho, você não entende ainda destas coisas.
- Você é doida, quando fizeram a piscina disse que a filha deles ia casar, agora que o pai morreu...
- Ainda acho que ela vai casar.
- Pois eu ainda acho que ele não morreu, está viajando.
- Não filho, quando a vizinha apareceu estava chorando muito, limpando as lágrimas no rosto ela fechou as portas, foi até a lateral da casa, como se fosse ver se estava tudo em ordem, parecia insegura, voltou a verificar se a porta está fechada e saiu com a filha e o futuro genro de carro.
Nunca mais vi o vizinho, não o acompanhei mais no cuidado pelo jardim, na varrição das calçadas, nunca mais.




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