O marido da vizinha I.
Dan foi deitar ontem à tarde; vou atrás dar um beijo e fechar as janelas.
Vejo a casa da vizinha, tão bem cuidada, tão perfeita, nunca havia visto uma casa tão bem tratada. Lembra muito a casa da cunhada de “Mon oncle” de Jacques Tati. Todos os dias eu lembro de Tati olhando da minha varanda os caminhos traçados no jardim, as plantas aparadas milimetricamente, a fonte na piscina recente.
— Coitada da vizinha, ficou viúva tão cedo...
— Por que está dizendo isto?
— Porque o marido dela morreu.
— Como você sabe que ele morreu?
— Porque eu sei, ele sumiu.
— Você é maluca, mãe, ele pode ter viajado.
— Eu sei, pode ter ido atrás de outra mulher, pode estar doente, na cama... mas ele morreu.
— Credo, mãe, você é doida mesmo, inventa cada coisa.
— Não estou inventando, o pobre do homem amava tanto esta casa, acabou de fazer a piscina e mal aproveitou, morreu.
— De onde você tirou isto, mãe? Esta tua maluquice?
— No dia do seu aniversário, eu acordei às sete horas, por aí, abri a varanda e, em vez de ver o vizinho fumando um cigarrinho na varanda esperando o táxi, eu vi três carros na porta e gente andando na varanda nervosamente.
— Como você sabe que estavam nervosos?
— Ah, Dan, tinha um homem que se parecia com o vizinho que andava de lá para cá, parecia angustiado.
— Pensei primeiro que a casa talvez tivesse sido assaltada. Betânia, quando chegou, pensou na possibilidade de ter sido a mulher que morreu e não o homem, pensou em sequestro também, mas não havia carro da polícia...
— Você fica vigiando a casa dos vizinhos, mãe, que feio...
— É impossível não ver, filho, é como no filme do Hitchcock. Lá pelas duas da tarde, apareceu a mocinha na varanda; ela nem conseguia andar direito — as pessoas da manhã já haviam ido embora — o namorado chega e ela chora abraçada com ele um tempão. Mais tarde, a mãe aparece, eu e Betânia ficamos aliviadas, não foi ela que morreu.
— E por que ficaram aliviadas se achavam que alguém tinha morrido?
— Sei lá, filho, coisa de mulher, mulher torce por mulher.
— Pode ter sido um dos cachorros que morreu.
— Não, os cachorros estão lá. Pode ter sido um avô, mas foi o vizinho, vivia fumando; se eu pudesse, tinha dito para ele parar de fumar.
— Continuo achando que você é doida, não sei como tem consultório e atende clientes, fica inventando coisas.
— Meu filho, no consultório eu imagino tudo o que me contam, eu gosto, e é impossível não querer saber o que houve na casa da vizinha, está ali na minha cara todas as vezes que vou à varanda, não consigo não ver. E tem mais, eu gostava do vizinho só de ver, eu ficava namorando a casa com ele, não estou dizendo que paquerava o vizinho, viu? É da casa que eu gosto.
— Não sei por quê, casa mais cafona, toda arrumadinha.
— É o que ela representa, filho, você não entende ainda destas coisas.
— Você é doida, quando fizeram a piscina, disse que a filha deles ia casar, agora que o pai morreu...
— Ainda acho que ela vai casar.
— Pois eu ainda acho que ele não morreu, está viajando.
— Não, filho, quando a vizinha apareceu, estava chorando muito. Limpando as lágrimas no rosto, ela fechou as portas, foi até a lateral da casa, como se fosse ver se estava tudo em ordem, parecia insegura, voltou a verificar se a porta estava fechada e saiu com a filha e o futuro genro de carro.
Nunca mais vi o vizinho, não o acompanhei mais no cuidado pelo jardim, na varrição das calçadas, nunca mais.

Nenhum comentário:
Postar um comentário