segunda-feira, outubro 31, 2005

Drummond faria 103 anos.












Este foi o Drummond que eu conheci e amei, não amor físico apenas afeto.
Esta entrevista está ótima, mostra bem a rapidez das respostas dele, o jeito matreiro, ele era muito divertido, leve. A entrevista é datada de 15 agosto, mas deve ter sido feita bem antes, a filha dele morreu em agosto, na ocasião da entrevista ainda vivia, ele evita falar nisto, vivia um drama com a filha com câncer, num colchão de água, muito triste.
Ainda não digitei a crônica que fez para mim, tenho preguiça, é grandinha, um dia digito, sou péssima aqui no teclado.
Drummond gostava de falar no telefone à noite depois que Dolores ia dormir, tomava um licor, ele dizia, ouvia música clássica e se soltava, fazia perguntas que me perturbavam, dizia que eu não deveria me encabular afinal sou psicanalista, era muito sacana. Tenho saudades e choro quando ouço a voz dele tão conhecida em gravações. Estranha a vida, nos conhecemos ele já velhinho, eu cheia de vida, exuberante, cheia de cachos, saltos muito altos, ele se encantou. Um dia me beijou na rua, quase morri de vergonha, não conto detalhes, acho desnecessário, eu fiquei preocupada, eu não queria namorá-lo, eu tinha um amor, uma paixão intensa na época e ele sabia.
Como vocês já sabem devo meus dois filhos a Drummond, quem não conhece a história leia aqui.















Mundo grande
Ouça na voz dele aqui.

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.


À meia-noite, pelo telefone

À meia-noite, pelo telefone,
conta-me que é fulva a mata do seu púbis.
Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
“Se você não vem depressa até aqui
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até o amanhecer?”

Concordo, calo-me.



Sugar e ser sugado pelo amor

Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar e ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.

Ouça mais se quiser aqui.
Mais Drummond nos meus arquivos. Leia aqui também.

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