segunda-feira, agosto 15, 2005
Raduan Nassar e "Lavoura Arcaica"- o filme.
Hoje eu pretendia colocar um conto aqui, mas uma notícia me fez feliz e merece ser trazida para vocês. O filme “Lavoura Arcaica” de Luiz Fernando Carvalho estará disponível em DVD a partir de 13 de Setembro. Maravilha!
"Lavoura Arcaica" foi um dos melhores filmes que já vi, é uma produção cuidadosa, os atores foram preparados especialmente, eles passaram quatro meses no interior,numa fazenda, para que entrassem no clima do livro e conseguiram, o que acho uma proeza, conseguir levar para a tela o clima denso do livro de Raduan Nassar. Luiz Fernando Carvalho conseguiu, fez um filme belíssimo, uma preciosidade. baseado no livro homônimo de Raduan Nassar. Luiz Fernando teve conversas intermináveis com Raduan e fizeram juntos uma viagem para o Líbano para sentirem a cultura libanesa- que inveja! Os atores estão perfeitos, Selton Melo está maravilhoso, você esquece o ator e só vê o personagem, Raul Cortez, está num dos seus melhores papéis como o pai libanês rígido e ao mesmo tempo sábio. Vejam e depois me digam se não estou certa.
Vocês sabem que sou fã de Raduan, o meu segundo post foi um conto dele e já coloquei outros aqui, para mim Raduan é o maior escritor brasileiro do nosso tempo, alguns dizem que é Guimarães Rosa, outros Rubem Fonseca, eu fico com Raduan, acredito que é uma escolha subjetiva acima de tudo, porque tudo que ele escreveu eu gostei, tudo. Ele escreveu poucos livros e não quer escrever mais. O Caderno de Literatura do Instituto Moreira Salles sobre Raduan é excelente, se você quer conhecer mais o brasileiro-libanês compre o Caderno, é ótimo.
Conheço Raduan há anos, meus meninos eram pequenos. Nosso primeiro contato foi muito engraçado, eu havia feito um trabalho de psicanálise em cima do “Um copo de cólera”, uma amiga me disse que a irmã havia conhecido Raduan porque estava a fim de fazer uma peça de teatro baseada no conto "Ventre seco" e que ele foi muito simpático, recebeu-a na casa dele. Pedi o endereço para mandar meu texto, mas esta amiga é muito desligada, ou desinteressada, como queiram, e não pegava nunca o endereço. Estávamos no Rio, ele em São Paulo. Um dia eu desliguei o telefone acabando de falar com ela e liguei 102, pedi o telefone de Raduan, me deram, eu liguei pensando que uma secretária atenderia, aquelas coisas, ele atendeu. Eu não sabia o que dizer, disse que não esperava que ele atendesse e, ansiosa, me apresentei e comecei a falar que havia feito um trabalho etc e tal. Depois de certo tempo ele me diz pausadamente, com aquela voz de paulista:
”Estamos conversando há quinze minutos e você não disse seu nome.”
Foi nosso primeiro contato e falamos uns cinqüenta minutos, a ligação era interurbana, eu não queria desligar nunca, imaginem minha emoção. A partir daí passamos a nos falar sempre, pelo menos uma vez por mês. Uns dois anos depois, um dia ele me disse:
“Ficarei velhinho e você não virá me conhecer”.
Foi a senha para que eu fosse.
O primeiro encontro foi na casa dele e Raduan me fez falar, me perguntou TUDO sobre minha vida e minha família. Ficamos até uma da manhã conversando, aliás, ele me ouvindo, então me levou para a casa de meus amigos, onde eu estava hospedada. Ficamos de almoçar juntos no dia seguinte, eu voltaria para o Rio à tarde, mas no dia seguinte ele ligou dizendo que havia esquecido que era aniversário de sua mulher, hoje ex., que ficaria para a próxima vez.
Depois nos vimos no Rio num encontro que ele teve com Chico Buarque onde fizeram leituras de trechos de seus livros, Raduan leu Chico, Chico leu Raduan- já contei aqui que Chico se engasgou e quase chorou lendo “Hoje de madrugada”.
Não voltamos a nos ver. Ele gostaria de vir ao nordeste, mas anda com probleminhas de saúde, adiou a viagem que seria em fevereiro, quer vir visitar Ariano Suassuna também de quem é amigo.
Acabo de falar com ele, fica contente pelo filme, mas disse suspirando que está tão distante disto tudo...Diz que o chateiam para dar entrevistas, acho que quem quiser saber mais sobre Raduan deve ler o Caderno e devem respeitar seu silêncio, ele concordou quando eu disse isto, as pessoas insistem, querem descobrir o porquê do silêncio. Meu Deus! se alguém pede silêncio, respeitem. O que vale é a obra maravilhosa dele, se parou de escrever, é isto ai, “É um fato”, ele disse, “e ponto final”. Concordo. Há dias em que ligo e ele está muito quieto, então eu digo:” Não quer falar hoje, não é?” “Não é com você, você sabe.” Eu sei, eu o respeito e vou amar este homem sempre, mesmo no seu silêncio: “Homem maduro, coração duro”*, eu digo, ai ele cai numa gargalhada que me faz feliz, ele ri comigo, isto é o que me basta. Vida longa para meu querido amigo Raduan!
Mergulho em Raduan Nassar conduz a pequena obra-prima
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma parábola de ressonâncias bíblicas escrita por um homem de nosso tempo, vale dizer, por alguém que, entre outras coisas, leu Freud e tem consciência de que o modo de contar uma história é tão importante quanto a história em si. Assim pode ser definido, de modo sumário e um tanto selvagem, o pequeno grande romance "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar.
Conta-se ali, numa prosa ao mesmo tempo delicada e furiosa, intrincada e encantatória, a tragédia do filho desgarrado de uma família de imigrantes libaneses no interior brasileiro. A dicção elevada do texto, a maestria na criação de um universo literário quase atemporal, a abordagem de temas espinhosos como o incesto e o ódio filial, tudo isso fazia do livro um desafio aparentemente intransponível para uma adaptação ao cinema.
Foi justamente com esse livro infilmável que Luiz Fernando Carvalho, já respeitado por seu trabalho de diretor na televisão, resolveu estrear no longa-metragem de cinema.
"Lavoura Arcaica" (2001), o filme, foi o resultado de uma imersão radical de seu realizador, do elenco e da equipe de produção no universo do livro. É uma daquelas obras cujo processo de realização é tão rico e interessante quanto seu resultado.
Para ter uma idéia, o elenco e parte da equipe passaram quatro meses vivendo na fazenda do interior de Minas Gerais onde o filme seria rodado. Ordenharam vacas, repararam cercas, costuraram roupas, ao mesmo tempo que estudavam o texto, aprendiam danças, ouviam músicas relacionadas ao tema etc.
Além do filme propriamente dito -uma obra cujo valor só tem aumentado diante da pobreza estética do cinema atual-, o DVD agora lançado traz um precioso documentário sobre esse processo coletivo de criação.
Dirigido por Raquel Couto, que trabalhou como pesquisadora de elenco do longa, é um substancioso making of, com depoimentos dos principais atores e membros da equipe, sobrepostos a imagens de filmagens, preparação e bastidores.
Da diretora de arte (Yurika Yamasaki) ao compositor da trilha (Marco Antônio Guimarães), da figurinista (Beth Filipecki) ao diretor de fotografia (Walter Carvalho), todos falam das minúcias do trabalho de buscar uma tradução audiovisual para o livro, ou antes, para a leitura que Luiz Fernando Carvalho fazia do livro. Todos, aparentemente, contaminados pela febre criadora do diretor.
"Lavoura Arcaica", o deslumbrante fruto dessa entrega, contém ao menos quatro seqüências antológicas: a de abertura, em que o extraviado André (Selton Mello) se masturba num quarto de pensão; as duas danças festivas, a primeira de pura alegria e sensualidade telúrica, a segunda tingida por um erotismo diabólico; e o diálogo final entre André e o pai (Raul Cortez).
Completa o DVD uma dispensável conversa entre o cineasta Fernando Solanas e o curador André Paquet, do Festival de Montréal. Falando diretamente a Carvalho, eles se desmancham em elogios a seu filme, em algo que beira a adulação.
Trecho de “Lavoura arcaica”
“... e embora caído numa sanha de possesso vi que meu irmão, assombrado pelo impacto do meu vento, cobria o rosto com as mãos, era impossível adivinhar que ríctus lhe trincava o tijolo requeimado da cara, que faísca de pedra lhe partia quem sabe os olhos, estava claro que ele tateava à procura de um bordão, buscava com certeza a terra sólida e dura, eu podia até escutar seus gemidos gritando por socorro, mas vendo-lhe a postura profundamente súbita e quieta (era o meu pai) me ocorreu também que era talvez num exercício de paciência que ele se recolhia, consultando no escuro o texto dos mais velhos, a página nobre e ancestral, a palma chamando à calma, mas na corrente do meu transe já não contava a sua dor misturada ao respeito pela letra dos antigos, eu tinha que gritar em furor que a minha loucura era mais sábia do que a sabedoria do pai, que a minha enfermidade me era mais conforme que a saúde da família, que os meus remédios não foram jamais inscritos nos compêndios, mas que existia uma outra medicina (a minha!), e que fora de mim eu não reconhecia qualquer ciência, e que era tudo só uma questão de perspectiva, e o que valia era o meu e só o meu ponto de vista, e que era um requinte de saciados testar a virtude da paciência com a fome de terceiros, e dizer tudo isso num acesso verbal, espasmódico, obsessivo, virando a mesa dos sermões num revertério, destruindo travas, ferrolhos e amarras, tirando não obstante o nível, atento ao prumo, erguendo um outro equilíbrio, e pondo força, subindo sempre em altura, retesando sobretudo meus músculos clandestinos, redescobrindo sem demora em mim todo o animal, cascos, mandíbulas e esporas, deixando que um sebo oleoso cobrisse minha escultura enquanto eu cavalgasse fazendo minhas crinas voarem como se fossem plumas, amassando com minhas patas sagitárias o ventre mole deste mundo, consumindo neste pasto um grão de trigo e uma gorda fatia de cólera embebida em vinho"...
“Estamos indo sempre para casa” Raduan em de Lavoura Arcaica.
"O Estado de São Paulo" fez uma grande reportagem sobre o filme no dia 06/08/05, não consegui acessar, é só para assinantes, se você tem o jornal ai dê uma olhada que vale a pena.
Bom dia.
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Um comentário:
oi, sem saber por onde começar um oi ja e o inicio...
eu sou o jackson, estudante de teatro e estou adaptando o livro lavoura arcaica para teatro e gostaria de ter os contatos de Raduan para falarmos sobre os direitos autorais. se vc puder me ajudar agradeço. meus email: jacksontea@gmail.com
abraço
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