domingo, julho 24, 2005
A minha Sebastiana.
Pablo Picasso
Estava exausta, um mês sem empregada, sem babá, eu e os dois meninos de lá para cá, contratando baby siters, um sufoco, era 93, por ai, os dois muito pequenos ainda.
Eu acordava levava o mais velho para a escola, deixava o menor dormindo-na véspera afirmava que eu ia sair para levar o irmãozinho para a escola, mas voltaria bem rápido- ia de táxi, era perto, mas não podia arriscar deixar o menor só mais de 15 minutos. Ao meio dia, depois de fazer o almoço, ia com o menor e trazia o mais velho, não tinha com quem deixar, contratava baby siters, que faltavam, avisavam na última hora, era um sufoco, não gosto nem de lembrar. Eu chorava, precisava trabalhar, “se não trabalho não ganho”, havia dias que a secretária da sociedade de psicanálise onde eu estudava, que é minha amiga querida, ao me ouvir chorando no telefone dizia: “traga que eu olho eles para você”. Eu trabalhava até dez da noite, como fazer? mudava os horários da noite, tentava atender mais cedo, mas foi uma fase muito difícil e cansativa, não tenho nenhuma saudades.
À noite ficavam os dois na secretaria, a sala de aula tem porta de vidro, sorte que os alunos ficavam de costas para a porta, quem os via eram os psicanalistas professores meus conhecidos de longa data, como psicanalista geralmente tem aquele ar de que não sabe bem o que acontece, olham de cima, eles fingiam não ver os meninos. Ás dez, ou nove, eu descia, os pegava pé ante pé e íamos para casa, ai tinha que dar banho, lavar uniforme, ver merenda para o dia seguinte, contar historinhas para dormirem...
Na rua perguntava para todos os porteiros da vizinhança se conheciam empregadas ou babás, a grana era curta para babás especializadas, cobram uma nota.
Um dia o Seu João me disse que tinha uma prima da sua mulher que havia chegado da Paraíba naquela semana, entrei no prédio para conhecer, ele morava no próprio edifício, eu já conhecia a esposa dele, gente boa.
Sentei- eu vivia exausta sentava em todos os lugares, queria mesmo era deitar- e esperei uns minutos, apareceu uma mulher muito jovem, mas muito envelhecida, devia ter uns 23 anos, e parecia muito mais, pequenina, macérrima, sem peito algum, cabelo curto como cabelo de homem, parecia um adolescente.
Perguntei:
-Você gosta de criança?
-Gosto muito- me olhava timidamente, sorria.
-Gosta de trabalhar?
-Vim prá cá pra isso, estou louca para trabalhar.
-Qual é seu nome?
-Sebastiana.
-Então vamos Sebastiana, simpatizei com você, vamos ver se vai dar certo.
Era trabalhadeira eu gostava dela, era amorosa com os meninos, muito. Acordava três e meia da manhã e ia para o tanque lavar tênis dos meninos, eu descobri que era a hora que acordava na roça para ir cortar cana, pedi que ficasse mais tempo na cama, senão acordava todo mundo, eu e os vizinhos.
Um dia descobri que era analfabeta, tinha que deixar recados, lembretes, com desenhos coloridos para distinguir os legumes e frutas, ia ao mercado com os desenhinhos das compras que precisava trazer.
Outro dia fui dormir à tarde, tive uma folga, e às três da tarde ela me acorda e diz que vai buscar os meninos- descobri que não sabia ver horas. Aimeudeusdocéu. Passei a deixar o despertador ligado com as horas certas para ela sair.
Um dia ela ficou com uma gripe horrorosa, fumava um cigarro muito vagabundo, eu dizia: “por favor, não fume com esta tosse”. Não adiantava, fumava no banheirinho lá dos fundos, tossia muito de madrugada, eu levantava, fazia chá para ela, servia com mel, eu gostava muito dela, me comovia. Foi para casa dos primos para se cuidar, ficou mais de uma semana, então telefonou dizendo que ia ficar mais para ficar boa e no lugar mandaria uma outra prima, veio a prima, depois a filha da prima e ela foi ficando. Acabou casando com um tal de Zé Novo, que eu já conhecia de nome, ele tinha quatro filhos e estava de olho nela fazia tempo- ele não foi bobo, ela era trabalhadeira e adorava crianças- depois soube que teve um filho, que era amorosa com o filho, fiquei feliz de saber. Gostava da Sebastiana.
Depois dela eu sempre pergunto: “Você sabe ler? sabe ver horas?” O mundo é muito maior do que nós imaginamos.
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