quarta-feira, abril 27, 2005
Em busca da imagem perdida.
Memória "colada".
Cecilia Meirelles escreveu:
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?"
Maravilhosa, Cecília!
Em que espelho ficou perdida a minha face?
Por que buscamos esta face perdida no tempo?
Por que não aceitamos as transformações que o tempo implacavelmente faz. Por que implacavelmente? Não seria natural?
Achamos graça quando não nos lembramos de algo: "é a idade", dizemos, mas a flacidez do rosto, as marcas indeléveis do tempo nos entristecem e não é motivo de graça. Nos entristece, nos perturba, perturba tanto que muitos aceitam passar por processos torturantes para tentar segurar aquele corpo que jamais será o mesmo. Desejaríamos magicamente voltar a ter aquele rosto congelado numa imagem especular. Aquele era o nosso rosto, aquele era o nosso corpo. “Colamos” esta imagem no nosso imaginário, a imagem que um dia capturamos num olhar amado.
É trágico. O homem é um ser trágico. Trágico porque nada disto importa, nada disto é relevante. Nós nos amamos através dos olhos do outro, e este outro nos ama, não pelo rosto ou belo corpo mas por algo que nem ele sabe porquê. O outro nos deseja por outros caminhos ou registros. Que bom se nos fosse possível alcançar isto, é preciso muita sabedoria, muita dor, muitos anos de estrada, muito divã psicanalítico para descobrirmos.
Será que a imagem que buscamos ficou colada por ter sido uma imagem especial, ou simplesmente porque foi a imagem que repetiu-se mais vezes no nosso espelho? Nossos traços fisionômicos durantes longos anos não se modificam muito- da adolescência até uns 40, por aí, depois disto passamos a perceber a rapidez da transformação, e isto nos escapa, provocando pânico, ou um questionamento maior em relação à vida, ao nosso modo de viver.
Viver é estar em constante mutação, é preciso aceitar as transformações que o tempo nos traz. E viver o hoje. haverá amanhã? não sei...
Ah! este pânico é provocado pela evidência da morte, o envelhecer nos leva à morte, nossa cultura esquece que desde o momento do nascimento estamos caminhando para a morte, é nossa única certeza, então vivamos em paz.
Eu fiz uns versos sobre este assunto há anos:
Mansamente como o crepúsculo
mesclando ouro e lilás
também meu rosto se modifica.
Há movimento
e como o sol que cai no horizonte
sem a certeza da cor matinal
um calafrio me percorre
na dúvida de uma vida inteira.
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