quinta-feira, julho 01, 2010

De saltos altos- revisto



De saltos altos




Ela passa uma, duas, três vezes na calçada em frente. Quem vê pensa que é louca. Pisa firme com os saltos altos. O toc toc a denuncia. Traz algo nas mãos, de longe parece um terço, mas não é, conheço bem aquele cordão, ganhou de um amigo, ela não o larga, diz que dá sorte. Olha alternadamente para a casa e para o fim da rua. Pensa que ainda não cheguei. Faz quase uma hora que está ali, andando de um lado para o outro impaciente. Conheço esta inquietude, ela pensa me pegar de surpresa, está com o discurso pronto, adivinho o que diria se abrisse a porta ou me vislumbrasse atrás da cortina:

-Seu cretino, como foi sair com ela? Eu pedi tanto que se afastasse daquela vagabunda!

Logo a raiva se dissiparia, nunca brigamos, basta fixar bem os olhos nos olhos dela e sorrir. Ela desmonta, vem correndo para meus braços, chora, me faz jurar que nunca mais a farei sofrer. Não digo nada, não posso lhe dizer que também amo a outra.

Vejo suas belas pernas cobertas por meias pretas, os saltos altos. “Só uso meias pretas”- gosta de dizer.


Sei que se abrir a porta, beijarei aquele rosto até que ela sorria: “Você é um bandido, te odeio”. Dirá sorrindo entre um suspiro e outro, minhas mãos rudes deslizando nas coxas lisas, rasgando a seda pura, lanhando a pele alva. “Vai me pagar”, diz. Ela estará exausta de tanto esperar, serei eu o condutor. Não pedirá nada, se entregará como sempre, como se fosse a última vez.

Ela sabe que pode estar certa.

Nenhum comentário: