domingo, janeiro 26, 2014

O culto da urgência- Daniel Lins











"A embriaguez da urgência leva a um vício do qual é difícil se libertar, que finda por contaminar a saúde"

O ritmo desenfreado adotado pelo mundo dos negócios, a urgência induzida pelo cálculo de rentabilidade, o caráter evasivo do que se tornou norma social dominante instauram um clima de velocidade artificial permanente.
Platão fala da histeria de advogados correndo contra o tempo, como escravos, para emplacar seus discursos enganadores. À urgência artificial, o filósofo opõe o tempo do diálogo. Tempo “inútil”, artes, culturas, filosofia: riquezas da civilização.







Urgência, em grego, askholia, é uma palavra negativa, que esvazia o prazer, sufoca o desejo, impõe um cansaço de fim de mundo; tritura o bem-estar, encontros fortuitos e acasos inventivos. Adeus ao corpo, à sociabilidade, às sexualidades transeuntes. Adeus à família, aos cafunés. Adeus à ética dos afetos. 

A urgência, como promessa de lucro ou enriquecimento mágico, tem seus efeitos perversos, flerta com a depressão e desejo suicida. 

Esgotamento, estafa permanente eram até os anos 1970 caça privada das elites, dos “donos do poder”. Em 1980, a exaustão impõe-se como projeto para todos, embora uma ínfima minoria participe da riqueza produzida, resultante da urgência generalizada, capitalizada, tornada mais valia.

A empresa é um novo Deus. Lucro, sucesso, desenvolvimento, promessa de um mundo melhor, eis o evangelho empresarial. O tiro, porém, saiu pela culatra: esse tipo de desenvolvimento não produz progresso social, todavia, lucros fabulosos para alguns, e migalhas para a maioria. Não é o Brasil a “6ª potência do mundo”?

Imposta como norma social, signo exterior de prestígio, a urgência é declarada voluntária. Na realidade, é uma visão contemporânea da servidão voluntária – terceirizados, bombeiros, jovens estagiários, juízes, jornalistas, médicos, professores: mesmo combate? Políticos, cães de guarda do estresse, gestores de licitações apressadas, assinam projetos em estado de urgência, geralmente executados com atraso...

No fundo, todos são levados ao menor denominador comum: a unidade do tempo. Nunca a expressão “Tempo é dinheiro” se revelou tão exata, basta ver a urgência, em forma de gozo déspota, como o aumento irresponsável do IPTU foi deliberado à população dividida. Cabe observar a cota de desaprovação ao prefeito atual, e lembrar que ele governa para aproximadamente 52% dos eleitores, numa denegação radical da quase metade que votou contra seu projeto. 

O desejo de controlar o tempo e de se sentir todo-poderoso, o prazer gerado pela adrenalina é compreendido como a capacidade de se superar e gerar a urgência. Eis porque muitos se engajam em um túnel para alcançar o sucesso almejado. A embriaguez da urgência leva a um vício do qual é difícil se libertar, que finda por contaminar a saúde, o meio profissional, que aceita sem queixas os lugares subalternos da hierarquia. 

Não é mais uma luta de classe, porém, de lugares!

Foucault: “Esta repressão do tempo e pelo tempo, é uma continuidade entre o relógio da empresa, o cronômetro da cadeia e o calendário da prisão”.

Daniel Lins 

dlins@hotmail.fr

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