quarta-feira, novembro 17, 2010
Woody Allen para distrair
A grana preta e suas relações com o inconsciente
Quando se analisa um magnata, pode ser difícil para o profissional resistir à tentação de adotar, de maneira bajulatória, o ponto de vista do paciente
WOODY ALLEN
Se as orgias, o arremesso ocasional de um cristão aos leões e a regurgitação de línguas de pavão a fim de preparar o estômago para a segunda rodada de miolos de macaco representaram, para Edward Gibbon, indícios de que a toga romana estava prestes a sair de circulação, uma reportagem na qual meus olhos resvalaram quando punha em dia a leitura de números atrasados do New York Times serve de funesto testemunho sobre o futuro dos adeptos de banhos de leite.
Parece que agora existem psicanalistas especializados no tratamento dos super-ricos, um grupo cuja fortuna e poder criam problemas peculiares que intimidam e até instigam a inveja de psiquiatras classificados em faixas de tributação do imposto de renda menos obesas. Segundo a reportagem intitulada “Os desafios de tratar pacientes que pagam 600 dólares por sessão”, quando se psicanalisa o magnata típico, pode ser difícil para o médico resistir à tentação de “adotar, de maneira bajulatória, o ponto de vista do paciente”.
Em certos casos, aponta a matéria, “os pacientes tratam o terapeuta como apenas mais um membro de seu séquito de serviçais”. Um analista, incapaz de encontrar cinquenta minutos livres para atender um mandachuva, recebeu da secretária do paciente a seguinte pergunta: “Que tal às 10 horas? Ele vai voar para Hamptons, mas vamos mandar um carro buscar o senhor para que possa pegar o helicóptero junto com ele e fazer a terapia durante o voo.” De resto, os problemas que afligem os super-ricos podem ser menos existenciais do que, digamos, um mineiro de carvão que passa a sofrer de claustrofobia ao descer quilômetros abaixo da superfície da terra. Como exemplo de uma crise de maior requinte, a reportagem apresenta uma senhora abastada que se convenceu de que era uma jogadora de tênis pouco hábil. Podemos imaginar os soluços histéricos de uma loura da Quinta Avenida, paramentada de Prada: “Doutor, o senhor tem de me ajudar. Parece que não consigo de jeito nenhum acertar meu segundo saque.”
Toda essa decadência não poderia deixar de trazer à mente o seguinte esquete, que tanto pode ser lido como rasgado, ou quem sabe possa ser usado para deduções do imposto de renda.
O doutor Leon Parafuso Frouxo era a imagem exata que um cartunista faria de um psicanalista freudiano: meio calvo, atarracado, um cavanhaque à la Van Dyke, que evocava o mundo de Strauss e strudel da velha Viena, enquanto caminhava afobado, não pela Ringstrasse, mas pela Park Avenue, rumo a um atendimento domiciliar. “Não posso me atrasar”...
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