terça-feira, fevereiro 02, 2010

Uma mulher- um livro




A biografia de Clarice Lispector é muito boa. Ele se repete, mas não me cansa.
Vai nos situando geográfica e historicamente.

O autor interpreta os livros de Clarice os associando aos traumas infantis, a trajetória da escritora judia pelo mundo afora- era casada com um diplomata. Ele enfatiza o judaísmo. Acredito que uma cultura forte como a judaica seja pregnante, sim, mas Clarice não era praticante. Não seguia nenhum ritual. Uma vez fez uma árvore de Natal toda estranha e disse que era assim que ela via a festa.

Esta parte do livro eu gosto menos, não me agrada dissecar analisar textos para descobrir a verdade sobre o autor. Fiz isto algumas vezes quando era estudante- hoje acho que, mesmo sendo psicanalista é invasivo.

Depois que conheci Raduan Nassar sinto maior respeito pelos escritores neste aspecto. Raduan diz que não há mais nada para dizer, já disse o que queria. Eu não insisto, não faço perguntas, respeito o seu silêncio com afeto. Eu detestaria que pegassem meus contos e “lessem” a Elianne que está ali nas entrelinhas. Ah! Faz favor... OK. Clarice está morta, virou celebridade, é importantíssima na nossa literatura, mas prefiro ler os textos dela, sem tentar adivinhar o que está por trás. Se Ulisses, personagem, tem a ver com o Ulisses que foi enamorado por ela.

O autor fala muito da Clarice- animal- eu nem prestei atenção nestas coisas, passava por alto. Mas sei que há pessoas que adoraram este aspecto do livro- cada um lê como quer.
Para mim Clarice foi a mulher sensível, sofrida, solitária, mesmo cercada por muita gente (vivia com um séquito), com quem eu me identifico em muitos aspectos.

Clarice foi enamorada por Lucio Cardoso, amigo gay, escritor com quem ela trocava ideias. Acredito que o amou a vida toda, amores platônicos e impossíveis são eternos, mesmo que se viva novos amores. Eu sei disto, tive um amor semelhante.

Foi amada por muitos homens, era sedutora, bonita, extremamente bem cuidada. Alguns dizem que era deslumbrante, lembrava Marlene Dietrich.
O marido a amou muito, Paulo Mendes Campos teve um romance com ela, mas era casado- optou ficar com a mulher- ela sofreu com a escolha dele. Teve amigos como Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Rubem Braga, o casal Wayner, Alzira Vargas, Carlos Scliar... muitos...
Eu a invejo neste aspecto.

Gentil, generosa e narcisista- um dos analistas dela disse que ela era de uma ansiedade que poucos suportavam- ele não a aguentou como cliente. Era fechada nela mesma, porque não conseguia sair desta prisão. Disse algo assim, o Azulay. Depois que ela deixou de ser sua cliente, ele foi seu amigo e protetor- um erro perigoso- transformar em realidade aquilo que está no imaginário do cliente- o analista como uma figura paterna.

Mas acontece- e imaginem ter um “monstro sagrado” como cliente- é difícil. Assim como deve ter sido difícil para C. (não é o Calligaris), analisar o Chico Buarque.

Clarice teve um filho esquizofrênico- acredito que não pode haver dor maior- talvez pior que a morte, ter um filho que está ausente, mesmo ali ao seu alcance. Isto é doloroso. Quando meus filhos sofrem eu sofro muito, imagine uma dor deste tamanho.

As irmãs Lispector eram muito amigas, cúmplices, é bonita relação delas. Clarice se sobressaiu, claro. Mas Elisa Lispector, que eu nem sabia que existiu, é ótima escritora também. Há citações de livrosdela muito boas. O sofrimento fez das irmãs Lispector pessoas especiais.

Foi uma pessoa extraordinária. Não há outra palavra. Você pode não gostar do que ela escreveu, mas tem que admirar a figura intensa desta mulher culta, mágica e misteriosa.
Ela queria manter o mistério. Estão tentando decifrar.


Lucio Cardoso

PS: Acabo de escrever, não revi, erros? Deixem pra lá, ou me corrijam, tá?

3 comentários:

angela disse...

Gostei do texto, também não gosto de analisar, gosto de entender o contexto, ver o que tem, daquele mundo que a pessoa viveu, nas suas palavras.
Gosto de sentir e deixar que isso fale ao meu coração e seja entendido do meu jeito, meio que deixar que o outro semeie seu pensamento.
Mudando de assunto; Não faço ideia de como funciona o twiter, sou meio lesa nesses assuntos de net.
beijos

Sweet! disse...

Hum, agora fiquei com mais vontade de ler... (twitter.com/anavalaraujo)

Anônimo disse...

Que gostoso de ler isso tudo que vc escreveu. Coisas que eu não sabia da Clarice L. Eu não li quase nada dela, mas do pouco que li fiquei maravilhada. Não sabia que ela teve filho esquizofrênico e que era apaixonada pelo Lucio Cardoso.
Bom vir aqui sempre.
Um beijo
madoka