domingo, novembro 01, 2009

"Num dia azul de verão, sinto o vento..."



Ontem sonhei que saia de viagem e não estava preparada, faltava dinheiro, documentos... Já havia sonhado estes dias que estava saindo para o aeroporto e com a mesma sensação de angústia. Tive sonho semelhante, algumas vezes, quando estava grávida- que a mala do bebê não estava pronta, não havia lavado as roupinhas.

Hoje amanheci pensando no sonho. Pensei que talvez eu não esteja preparada para morrer. Quando penso na possibilidade, lamento o livro que não foi editado, os desenhos que ninguém vê*, os clientes que gostaria de acompanhar, os filhos que me têm como arrimo.

Acordei com o vento, pensando algo como:

O vento-
incansável lamento-
invade sentidos,
desordena pensamentos,
ensurdece.
Por que não se cala, vento?

Ou: O criador mandou que todos soprassem ao mesmo tempo, varressem da Terra os mais fracos. O vento me leva- enlouquece.


Dormi de novo, sonhei que uma moça- sobrinha de Bethânia- falava de “Leonardo Da Vinci”, eu sabia que se referia ao livro- (li algumas páginas, apenas).

Ela cantarolava uma música- era algo de Bethânia e eu começo a chorar. Digo: Fico emocionada com estas músicas, me lembram... Ela pergunta se está me incomodando- eu, chorando, digo que não, pode continuar cantando e falando sobre a tal música- não sei porquê associei agora a “O jogo das contas de vidro” de Hermann Hesse, que li há anos e gostei muito.

Bethânia me emociona, claro. Ela, Elis, Nana Caymmi*** e Billie Holiday são minhas preferidas e todas me levam às lágrimas- além de Tom Jobim em “Carta ao Tom” e Milton Nascimento em “A noite do meu bem” ou com Chico em “O que será, a flor da pele”. Uma que não posso ouvir é "Pedaço de mim", de Chico, seria masoquismo.

O sol da manhã batia nas minhas pernas, nada me interessava aqui fora. A sala estava cheia de jovens jogando RPG.

Levantei às onze e meia, fazia tempo não acontecia isto. Quando estava me arrumando meu filho bateu na porta, estava ficando preocupado com a minha demora.

Se eu ainda tivesse a Florzinha- não dormiria tanto- ela não deixava, batia na minha porta lá por oito e meia, até antes. Miava, se jogava contra a porta- uma figura aquela gatinha.

* Exceto algumas pessoas, que se identificam com meu traço, como Regina D'Ávila e uns gatos pingados :) É difícil gostarem de um desenho tão simples, estilizado
(Há quanto tempo não uso esta palavra!). Entendo- uma vez uma pessoa que eu conheci, olhou o desenho e não entendeu nada. Outra vez uma amiga querida olhou e disse: Cadê os olhinhos?
Eu sorrio por dentro, compreeendo que nemtodos podem gostar.

**“O Jogo das Contas de Vidro", de Hermann Hesse, é uma fábula sobre o jogo como utopia total. Para Hesse, "O Jogo das Contas de Vidro" «é um jogo que joga com todos os conteúdos e valores da nossa cultura, um pouco como nos tempos áureos das artes um pintor terá brincado com as cores da sua paleta» , como um órgão é tocado (em inglês, «jogado» ) por um organista. Acrescentaríamos hoje: como um computador é jogado por um matemático. Continua Hesse a sua descrição do «Jogo das Contas de Vidro»: «Uma partida podia, por exemplo, partir duma dada configuração astronómica, ou do tema duma fuga de Bach, ou duma frase de Leibniz ou dos Upanishads e, segundo a intenção ou o talento do jogador, prosseguir e desenvolver a ideia condutora por ela evocada ou enriquecer a expressão dessa mesma ideia com a evocação de ideias próximas. Se o principiante era capaz de estabelecer um paralelo, por meio dos símbolos do jogo, entre uma melodia clássica e a fórmula duma lei da Natureza, o conhecedor e o mestre conduziam a partida desde o tema inicial até combinações ilimitadas.» “
Tirei daqui.


***Resposta ao Tempo

Composição: Aldir Blanc/Cristovão Bastos

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Prá ter argumento

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há fôlhas no meu coração
É o tempo

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, e ele não vai poder
Me esquecer

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

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