domingo, outubro 11, 2009

A invenção do Twitter




29 de agosto de 2009


Nas páginas do Le Matin, no princípio do século 20, o francês Félix Fénéon escrevia histórias em três linhas

O imaginário do Twitter – rede social em que os usuários podem, a todo momento, enviar mensagens de 140 caracteres, no máximo, para seus seguidores – não é nada novo. Tal imaginário, de início, aparece ligado a uma série de questões que acabam relacionando a escrita com a métrica, o limite, a medida. De qualquer modo, o acúmulo de opiniões que veem no Twitter qualquer coisa como o apanágio da superficialidade, segundo enunciados e valores sempre discutíveis – como o de que não existe interesse na própria superficialidade, inclusive –, deve apagar uma história.

O crítico Félix Fénéon, interlocutor de escritores como Paul Valéry e André Gide, mas também de pintores mais radicais do século 19, como os divisionistas – depois mais conhecidos como pontilhistas, também –, acusado de pequenos ataques realizados em cafés mais burgueses de Paris, encarna aquilo que Michel Foucault chama, mais de 50 anos depois, de jornalista extremo, radical. Félix Fénéon, a partir de 1906, dentre outras atividades, mantém uma coluna de fait-divers no periódico francês Le Matin – o espaço mais baixo de um jornal, digamos (e talvez também o mais literário) –, e sua coluna recebe o título sugestivo de Nouvelles en trois lignes.

Existe uma ambiguidade, e devo começar com ela – talvez até um paradoxo. O significante nouvelle – que, para o português, pode ser traduzido por “notícia” ou “novela” mesmo (é possível encontrar as duas referências) –, já sugere uma dúvida sobre o que é ficcional ou não. De fato, o estatuto discursivo da notícia, dentro da expectativa de uma representação ou de um efeito de representação, faz oposição direta ao que entendemos por novela, gênero ficcional. Na medida em que os dois dispositivos se aproximam, então, torna-se difícil saber de que posição o texto é escrito. “Uma louca na cidade de Puéchabon, a sra. Bautiol, née Hérail, acordou seus sogros a golpes de marreta”, escreve Félix Fénéon em sua coluna. Ou ainda: “Foi no boliche que a apoplexia derrubou o sr. André, 75 anos, de Levallois. Jogou uma bola que ainda rolava quando ele deixou de existir.” O que existe de recurso ficcional nos fragmentos de Fénéon, a princípio, está ligado com a velocidade de seu texto. É como se a medida sugerisse um estilo de escrita – ou talvez se trate mesmo de uma imposição. Mas o humor que surge diretamente da brevidade, por outro lado, se relaciona de modo definitivo com o caráter noticioso da cena. Quer dizer, de algum modo acreditamos que a cena descrita aconteceu. Enfim, tudo se relaciona de modo muito controverso com qualquer coisa que se entenda por representação.

Depois, existe uma extrema unidade de escrita nestes fragmentos de Félix Fénéon – aquela mesma unidade que confere ao hai-cai um aspecto clássico, fechado. A rigor, é o que nos permite ler tais fragmentos depois de cem anos e sem nenhum sentimento de perda. E nisso podemos afirmar que o caráter noticioso da cena é também uma espécie de fraude, é falso. Enfim, o texto não aparece dependente de qualquer elemento exterior a ele. Não há nenhuma notícia, afinal.

Na introdução de seu belo ensaio sobre Picasso, em que procura retirar o artista de um lugar sacralizado do modernismo para recolocá-lo no campo da mercadoria – leia-se: no baixo –, a crítica norte-americana Rosalind Krauss, justamente, utiliza como ponto de partida os textos de Félix Fénéon. Para Krauss, além da velocidade – e vale dizer que, salvo engano, nenhum fragmento do escritor ultrapassa os 140 caracteres permitidos no Twitter –, há um traço nestes fragmentos que interessa como contraleitura da improvável transparência modernista, a saber: uma opacidade narrativa, a perda do comentário – enfim, certa traição do processo comunicativo mesmo.

A escritora argentina Pola Oloixorac, em uma interessante reflexão sobre o papel do Twitter em países com regime de censura, como Irã e China, sugere que a grandeza do site está ligada com uma pergunta inerentemente política: o que você está fazendo? Por outro lado, um dos interesses do Twitter está na possibilidade de criar perfis falsos, seja de famosos ou de anônimos. O limite entre o que se verifica ou não se verifica fora do Twitter está sempre movediço. Também não é pequena a disseminação de informações falsas que aparecem para confundir os leitores mais ingênuos, digamos. Do ponto de vista político – seja de uma política da escrita ou da informação mesmo – se trata de uma das mídias mais versáteis que a internet foi capaz de criar.

É verdade que cada usuário utiliza o Twitter do modo como considera mais válido, oportuno, mas existe uma indecisão que parece cada vez mais difícil de negar, a saber: onde começa a ficção? – onde termina? Ao mesmo tempo, estas perguntas, a meu ver, são espécies de armadilhas inúteis.

O leitor e o usuário que se colocam nesta posição de dúvida acabam entrando em um labirinto sem saída. Gosto de pensar, afinal, que se trata somente de uma literatura imprestável. Entrar para a rede do Twitter requer o abandono mesmo da dicotomia que separa notícia e novela.

* Ensaísta, mestrando em Literatura pela UFSC e autor das narrativas de piano e flauta – fragmentos de um romance (Lumme Editor, SP, 2007)

DAQUI. POR VICTOR DA ROSA *

Dica de Marcelo Coelho

Um comentário:

Lia Noronha disse...

Laura: vamos twitar...mais e mais...Bjus carinhosos nesse fim de semana prolongado pr avc e seus meninos.